Navegando entre a música de David Lang
Texto: NUNO GALOPIM
O compositor norte-americano David Lang (n. 1957), um dos fundadores do grupo Bang On A Can, é autor de uma obra já com considerável expressão discográfica. Pela sua música, de horizontes largos, correm sinais de evidente interesse pela obra dos minimalistas, refletindo de resto algumas das suas obras dinâmicas e formas herdadas desse importante espaço de invenção da música americana do século XX. A sua experiência profissional abarca vários domínios e caminhos (trabalhou, por exemplo, com o Kronos Quartet durante a gravação da banda sonora de Requiem For a Dream de Aronovsky) e sua obra como compositor inclui já, além de um Grammy, um prémio Pulitzer, obtido em 2008 com The Little Match Girl Passion, editada em 2009 em disco pela Harmonia Mundi, em gravação pelo Theatre Of Voices, dirigido por Paul Hillier.
The Little Match Girl Passion nasceu do cruzamento de um interesse pelo conto de Hans Christian Andersen A Menina dos Fósforos com paralelismos que encontrou entre o sentido de dor e transfiguração nesta história e a Paixão de Cristo (visitada através das várias abordagens na música sacra, mas concentrando a atenção na forma como Bach a abordou). Como nas “paixões” da música sacra, Lang juntou textos à narrativa central, sugerindo respostas, reacções. O libreto, construído pelo próprio David Lang, juntava fragmentos do texto de Andersen, de H.P. Paul (o seu primeiro tradutor para língua inglesa, em 1872) e Picander (o libretista de Bach).
Foi com alguma familiaridade para com este método de trabalho que ganhou forma Writing on Water, a peça central de um novo disco que agrupa várias peças recentes de David Lang interpretadas por ensembles diferentes, num alinhamento que sublinha as características de versatilidade da sua escrita e, ao mesmo tempo, a sua filiação entre a herança dos grandes pilares do minimalismo norte-americano e suas imediatas descendências. Com cerca de meia hora de duração, esta peça para orquestra de câmara e coro nasceu de uma parceria com o realizador Peter Greenaway, com ele tendo David Lang criado um libreto que, juntando fragmentos, evoca grandes tempestades e naufrágios do universo da ficção, passando ora por Moby Dick de Melville ou A Tempestade, de Shakespeare. Intensa, dramática, a música junta a presença da guitarra elétrica, marca que atravessa algumas peças do compositor, sublinhando a inscrição das suas criações num corpo de possibilidades que traduz sinais da banda sonora do nosso quotidiano.
O disco, que inclui ainda Forced March pelo Crash Ensemble, Increase pelo coletivo Alarm Will Sound e Pierced, numa versão para oito músicos que junta juntando Logan Cole, o Flux Quartet e o trio Real Quiet, é talvez o melhor cartão de visita para quem queira (finalmente) descobrir a música de David Lang.
“Writing on Water”, de David Lang, com London Sinfonietta, Synergy Vocals, Crash Ensemble, Alarm Will Sound, Logan Cole, o Flux Quartet e o trio Real Quiet, está disponível em CD e nas plataformas digitais, numa edição da Cantaloupe Music.
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