Isaura: “Imagino que alguém do outro lado possa identificar-se e sentir-se acompanhado”
Entrevista de NUNO GALOPIM
Entre o EP de estreia e o álbum passaram três anos. Houve singles… Houve colaborações. Foi importante, para a maturação do teu processo criativo, que agora resulta num primeiro álbum, esse gradual passar do tempo?
Sem dúvida. Este tempo foi importante para amadurecer; toquei muito ao vivo, vi como as pessoas reagiam às minhas canções, evoluí como artista e dediquei-me também à produção para poder executar algumas coisas de uma forma mais fiel ao meu imaginário e, acima de tudo, fui testando mais lugares da música para perceber em que outros sítios me podia sentir bem.
O que sentiste quando, pela primeira vez, ouviste o alinhamento na mistura final, de fio a pavio?
Fiquei genuinamente feliz. O processo de fazer o álbum não foi um processo fácil ou leviano para mim. Foi muito tempo, muitas expectativas, muita espera que gera muita insegurança. E paralelamente ao próprio processo é toda a vida que se intromete. Por isso quando terminei, por ter terminado e ainda por cima satisfeita com o resultado, fiquei genuinamente feliz.
Um álbum de estreia tem um peso enorme numa obra.
De facto, um álbum de estreia é um álbum de estreia. Mas acho que os artistas se vão descobrindo release após release. E cada momento reflete um contexto finito.
Tens álbuns de estreia que admires particularmente?
Gosto do Pure Heroine, da Lorde, depois de um EP que lançou no Soundcloud, Goddess da Banks), Queen of the Clouds da Tove Lo, entre outros.
Como autora e intérprete o que querias que todos nós encontrássemos num primeiro álbum teu?
Um lugar por onde ficar às vezes.
Além da composição e das palavras quão importante sentes ser para ti o definir de um espaço estético que dê forma às tuas canções. Em que mundo de sons e referências gostas de caminhar quanto te escutas?
Cada vez mais me vou sentindo confortável, sem parar de ser eu mesma, em mais géneros musicais. Acho que sou também muito eclética e por isso sinto que a cada conjunto de canções há tanto por contar e que ficou escondido. Acho que cada trabalho trará sempre mais qualquer coisa que já existia mas ainda não tinha tido espaço. Não me imagino a fazer música sempre muito parecida; ainda assim, a minha voz, o meu timbre e as escolhas melódicas acho que são um cunho de identidade transversal.
As canções nascem de experiências pessoais. O que esperas conseguir comunicar através dessas experiências e sensações, agora, na forma de canção?
Acho que contar coisas que são verdade, que fazem parte da minha vivência, me aproxima das pessoas; imagino que alguém do outro lado possa identificar-se e sentir-se acompanhado.
Há contrastes nas canções deste teu álbum. Há um lado mais festivo, mas um outro, mais melancólico, coabita o alinhamento do disco. São duas faces da tua personalidade?
Sim, acho que somos todos assim. Estamos felizes e estamos tristes e às vezes tudo no mesmo dia. Uso a música para exprimir nostalgia, saudosismo e sonhos com mais facilidade mas tentei que neste álbum eu pudesse ter um espaço para falar de coisas mais banais, que existem só – esse é o lado A.
Até que ponto são autobiográficas as palavras que cantas?
São bastante. Acho extremamente difícil escrever sobre coisas que não sei.
Há temas que gostasses de abordar um dia nas tuas canções e, até aqui, tal não tenha ainda acontecido?
Um dia gostava de ter evoluído como compositora e escritora a ponto de já não necessitar tanto dos sentimentos para poder falar de outras convicções que tenha.
Que importância tem para ti a imagem enquanto veículo visual para a música que fazes?
Hoje, mais do que nunca, a música é também feita de videos, fotografias, lettering, design, roupas e etc. Raramente ouvimos música de olhos fechados sem ter examinado um invólucro, uma conta de Instagram e videoclips oficiais. Hoje, as músicas e as histórias contam-se em vários canais ao mesmo tempo.
As questões identitárias estão na ordem do dia em várias frentes da criação artística. Sentes que podes ter aí um papel enquanto figura reconhecida? Tens causas às quais te gostes de associar?
Confesso que nunca pensei muito sobre isso. Tento e sempre tentei ser a minha melhor versão independentemente do ofício e da privacidade versus exposição de qualquer atitude. Acho que penso muito mais na diferença que posso fazer enquanto pessoa do que enquanto profissional com alguma exposição pública. Aliás, até à Eurovisão isso nunca foi uma questão. E, depois disso, sendo uma questão, é altamente fugaz.
Chamaste vários colaboradores ao disco. O que procuras quando chamas parceiros a trabalhar contigo?
Diversidade, talento, energia, entusiasmo. Acredito que os melhores resultados acontecem em equipa.
Escrever em inglês é natural em ti. É a língua das tuas canções… Mas quando surgiu o convite do FC para escrever pensaste que o português seria inevitável?
Para mim, a língua é mais uma ferramenta de comunicação. Tudo depende do estilo e do objetivo com que estamos a fazer as coisas. Para mim, para o contexto Festival da Canção e com a história que eu sabia ter a contar, o Português era a única opção possível.
O Jardim e a Eurovisão surgem com este álbum já na reta final da sua criação. Tiveste de adiar o lançamento…
Sim, toda a experiência Eurovisão foi bastante intensa e com muitas coisas a acontecer ao mesmo tempo. Para estar de alma e coração tive de fazer essa escolha. Não gosto de fazer coisas pela metade e não queria não dar 100% a nenhuma das coisas (Eurovisão e álbum).
Na Eurovisão conheceste muita gente? Fizeste bons contactos?
É verdade, conheci muitas pessoas. Confesso que não fiquei com pontes estabelecidas para trabalhar com essas pessoas mas observo um interesse de algumas pessoas de outros países pelo meu trabalho e isso é muito bom.
A comunidade global que acompanha a Eurovisão acolheu com entusiasmo a chegada do álbum. Tens notícias ou mensagens de reações chegadas de outros lugares?
Muitas! Recebi muito carinho de pessoas espalhadas pela Europa fora; fiquei mesmo feliz com isso.
Que balanço fazes desta experiência na Eurovisão?
Uma das melhores que já vivi. Eu gosto de experiências que nos põem à prova e que nos estimulam para trabalhar e para crescer.
Ao vivo o teu som ganha outras características que têm certamente a ver com o formato de banda. Era importante para ti não repetir em palco o trabalho feito em estúdio?
Nesta fase sim. Quando montei o concerto do EP Serendipity quis deliberadamente ser muito fiel ao disco. As pessoas não me conheciam e eu queria mostrar aquilo que era a minha sonoridade. Agora, ainda que as pessoas continuem sem me conhecer [risos], quis ter duas experiências diferentes: o que está gravado e o que se ouve em palco. Acho que é o resultado de três anos de palco e da proximidade com as pessoas que visitam os meus concertos.
Tens um trabalho para lá do que fazes na música. Como tens conciliado os dois mundos. E haverá necessidade de ajustes daqui em diante?
Tenho a sorte de trabalhar em escritório virtual e de poder ter flexibilidade. Este ano foi particularmente difícil e o resultado comum é sempre um cansaço acumulado muito grande. Imagino que não seja um estilo de vida a manter por muito tempo mas para por agora sim.
Quando, depois de concertos ou entrevistas, dás por ti de volta ao trabalho de todos os dias, onde fica a tua mente? É tentador pensar que, um dia, a música será o destino de todas as tuas preocupações? Ou sentes também a necessidade de realização profissional na área para a qual te formaste?
Eu gostava que a música passasse de ocupar 50% das minhas preocupações e do meu tempo para 80%. Gostava de produzir e de escrever para outros artistas para além de ter o meu próprio projeto. Guardar aqueles 20% será sempre importante para mim porque gosto do meu trabalho e puxa-me para uma realidade diferente e que só me dá histórias e experiências para contar e sobre as quais cantar.
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