Um reencontro para arrumar os cantos à casa
Texto: NUNO GALOPIM
Com praticamente a idade do século em que vivemos, a dupla que resultou do encontro entre Alison Goldfrapp e o compositor Will Gregory conheceu os seus momentos mais marcantes na sua primeira mão-cheia de anos. Felt Mountain (editado em 2000) propunha uma visão pastoral eletrónica que somava pistas realmente revigorantes ao panorama pop na viragem do milénio. Logo depois, Black Cherry (2003) sugeriu uma experiência por coordenadas distintas, tomando o electro como ponto de partida para experimentar uma pop eletrónica mais musculada à qual Supernature (2005) deu continuidade.
E depois?…
Os admiradores mais fiéis mantiveram-se atentos, seguindo passos que, se por um lado revelavam um interesse dos dois músicos em aceitar ideias de desafio a si mesmos, procurando novas abordagens estéticas a cada novo disco, por outro não mostraram mais nos seus álbuns canções do calibre encantatório de Lovely Head ou Human nem mesmo episódios de fulgor pop dançável como Strict Machine ou Train. E assim foi até que, em janeiro de 2017 começaram a surgir, espaçados, alguns dos temas que fizeram de Silver Eye (editado em março do ano passado) o melhor disco que os Goldfrapp conceberam desde os dias de Black Cherry. Mais aberto a heranças electro exploradas nesses dias, abrindo espaço igualmente a momentos de construção paisagista mais ambiental (sem contudo investir pelos terrenos implosivos do anterior e mui aborrecido Tales of Us), Silver Eye serviu quase um episódio de síntese de ideias, como quem dizia “esta é a nossa casa”. E a casa revelava-se bem personalizada e arrumada, de facto, mostrando assimilado um todo um importante corpo de heranças que passava por pistas da pop eletrónica dos oitentas e incluia as abordagens mais contemporâneas desencadeadas depois da (breve) tempestade electroclash na alvorada do milénio… É bom ver uma banda a reencontrar um viço aparentemente perdido.
Agora eis que surge um complemento direto natural ao disco de 2017 na forma de um repackage que junta ao alinhamento editado no ano passado um segundo disco que inclui abordagens alternativas às canções, seja em remisturas que sublinham as vitaminas eletrónicas e dançáveis do menu original (e vale a pena ouvir as abordagens de Joe Goddard e do próprio Will Gregory a Anymore), seja no piscar de olhos ao legado formador dos Depeche Mode no momento em que Dave Gahan é chamado a partilhar o protagonismo vocal com Alison Goldfrapp em Ocean. Só essa versão justifica (para quem não tem o single) chamar esta nova abordagem “deluxe” a Silver Eye. No fim fica a sensação de que, um ano depois, Silver Eye se tornou mesmo num momento importante na obra desta dupla, afastando os Goldfrapp de uma rota que os parecia levar para terrenos aos quais a indiferença parecia cada vez mais inevitável. Surpreenderam… E isso é coisa que nem sempre acontece em bandas no limiar da fasquia dos vinte anos de carreira (que se assinalam em 2019).
“Silver Eye (Deluxe Edition)” está disponível no formato de 2CD e nas plataformas digitais numa edição da Mute Records.
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