Bowie, Brecht e memórias de Berlim
Texto: NUNO GALOPIM
Baal foi, em 1918, a primeira peça de Bertolt Brecht, escrita quando era ainda aluno universitário, em de Munique. O texto foi revisto para uma encenação berlinense em 1926, mantendo-se as marcas da juventude do autor sobretudo vivas nos poemas que suportam as canções e vinhetas que acompanham o texto. Foram estas canções que, na verdade, entusiasmaram David Bowie em finais de 1981, num período de repouso editorial entre o fim da etapa Scary Monsters e um episódio de reflexão do qual que nasceria pouco depois Let’s Dance.
Produção para a televisão, sob realização de Alan Clarke, Baal renasceu em tradução de John Willett, com Bowie no papel principal. Desta adaptação nasceu um EP, David Bowie in Bertolt Brecht’s Baal, discretamente editado em Fevereiro de 1982. A canção-chave da peça, Hymn Of Baal The Great, não é mais que a colagem de vinhetas, retrato frio e direto de uma figura que procura a redenção e encontra paz, no corpo de um monstro de sensualidade, libertino, grosseiro, irreverente. Bowie seguiu então as sugestões musicais dos dias de Brecht, evitando os rumos que a sua música procurava no presente. Cantou cinco temas durante a produção e, depois de filmada a peça, Bowie rumou aos Hansa Studios em Berlim, onde rearranjou com David Muldowney, e sob produção de Tony Visconti, as cinco canções de Baal, juntando as vinhetas de Baal’s Hymn numa só canção e cortando as frases faladas a meio de outras.
O disco colheu opiniões favoráveis e representou a derradeira edição de Bowie para a RCA, iniciando-se nova etapa de relacionamento editorial em 1983, já ao som (completamente diferente) de Let’s Dance.
Admirador de Brecht (e da música de Kurt Weil), Bowie tinha integrado já uma versão de Alabama Song no alinhamento da digressão Isolar II que partira para a estrada depois do lançamento dos álbuns Low e Herores. E chegou mesmo a levar depois essa mesma versão a estúdio, gravando-a para edição no formato de um (discreto) single em 1980, juntando uma versão acústica do clássico Space Oddity. Essa canção, que precede as de Baal na obra de Bowie, acaba por regressar aos discos neste momento já que entre o trio de novos lançamentos surge o álbum ao vivo Welcome to the Blackout (Live London ’78) (originalmente editado no formato de triplo LP em vinil para o Record Store Day deste ano), documento dessa mesma digressão de 1978 e em cujo alinhamento surge a canção.
As fitas que deram origem a Welcome to the Blackout (Live London ’78) resultaram de um projeto que visava a criação de um filme-concerto mas que acabou na gaveta dada a insatisfação de Bowie para com os resultados. As gravações áudio, captadas ao vivo por Tony Visconti num concerto em Earls Court (Londres), a 30 de junho e 1 de julho de 1978, chegaram inclusivamente a ser trabalhadas em estúdio, em 1979, em Montreux, antes de terem recebido ordem para ficar na gaveta. Welcome to the Blackout (Live London ’78) representa a terceira edição recente de uma gravação ao vivo de Bowie, sucedendo-se assim aos lançamentos de Live Nassau Coliseum ’76 e Cracked Actor (Live Los Angeles ’74), ambos em 2017. Depois da edição em vinil para o Record Store Day, Welcome to the Blackout (Live London ’78) está agora disponível em CD e nas plataformas digitais.
O terceiro disco que completa o trio de edições de Bowie neste verão de 2018 corresponde a outra memória que traduz ecos de Berlim e do período que o músico viveu entre finais dos anos 70 e a alvorada dos anos 80. Christiane F, de Uli Edel, nasceu de uma adaptação ao cinema do livro homónimo e autobiográfico de Vera Christiane Felscherinow e teve, não apenas, um breve papel mas também banda sonora a cargo de Bowie. A recolha de canções traduz marcas desse tempo e da sua relação com Berlim (onde então viveu), incluindo uma versão bilingue de Heroes, em inglês e alemão. A nova reedição apresenta-se em vinil vermelho.
“David Bowie in Bertolt Brecht’s Baal” está disponível numa nova reedição em vinil de dez polegadas e nas plataformas digitais.
“Welcome to the Blackout (Live London ’78)” está agora disponível em 2CD e nas plataformas digitais. A edição em LP triplo, feita por ocasião do Record Store Day, é limitada.
“Christiane F” está disponível em LP de vinil vermelho e também nas plataformas digitais.
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