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A realidade construída por Thomas Albdorf

Texto: JOÃO FERNANDES, em Amesterdão

Imagens de três série de fotografias de Thomas Albdorf estão patentes até setembro no Foam Fotografiemuseum, paragem obrigatória em viagem até Amesterdão.

Muitas perguntas nos ocorrem fazer quando observamos as fotografias de Thomas Albdorf: O que aconteceu a esta montanha/estátua/coisa? Isto é real? Para que é que eu estou a olhar, exatamente? Ele está a brincar connosco?

Ainda que esteja assente num substrato imagético convencional e vagamente familiar, é inevitável achar estranha a realidade presente no trabalho do fotógrafo austríaco que apresenta a sua primeira exposição em museu, no FOAM Amsterdam. Talvez até seja a reação mais expectável ao trabalho de um fotógrafo que explora entusiasticamente o mundo de possibilidades acessível através dos meios de pós-produção digital, usando-os de forma bastante liberal, em sucessivos ciclos de edição de imagem, que deixam óbvias marcas da manipulação que foi feita e que sugerem que Albdorf talvez esteja a brincar connosco, ou simplesmente a brincar.

Com o título Room With a View, o conjunto das fotografias expostas foram selecionadas das três mais recentes séries fotográficas de Albdorf: I know I will see what I have seen before (2015), General View (2017) e A miss is as good as a mile (2018), em que a última foi criada propositadamente para a exposição no FOAM.

I Know I will see what I have seen before, apresentada em 2015, tem como tema as paisagens alpinas que filmes como Música no Coração trataram de tornar sinónimo da Áustria no vasto catálogo de clichés que é partilhado por todos os que consumiram imagens com iconografias semelhantes referentes a esse país. Os prados alpinos, as montanhas com picos nevados: imagens que são conhecidas, já foram fotografadas e reproduzidas milhões de vezes, constituindo o cliché que Albdorf tenta desconstruir e voltar a criar, com intenção de adicionar algo de novo.

As imagens são uma fusão de fotografias das paisagens que Albdorf visitou no seu país, de instalações esculturais que fotografou em estúdio, e de o que quer que seja que acontece quando se usa muitos meios e processos de edição digital. O resultado é algo familiar mas ao mesmo tempo intrigante e enigmático, uma realidade que pensamos conhecer mas que quando vemos mais de perto não é aquela que nos é tão familiar. Há um processo de abstração figurativa do cliché, uma paisagem da montanha não é apenas uma paisagem da montanha, mas sim o palco de uma escultura, que seja talvez impossível e sido criada digitalmente. A água a cair de uma cascata pode ser também pó branco a cair sobre um tapume negro – as imagens são semelhantes à primeira vista, mas com cuidado percebemos que uma e outra vivem num contexto completamente diferente.

O recurso à pós-produção torna-se uma marca de autor, permitindo-lhe criar e explorar espaços novos, uma realidade virtual em que existe um local parecido à Áustria, mas que está desligado do espaço geográfico da nação austríaca. Em primeiro lugar, porque a realidade das fotografias de Albdorf nem sequer existe, pois foi cuidadosamente construída num computador, para dar a ilusão de existir. Contudo, e novamente, quem dedicar tempo e atenção suficientes a essa tarefa, irá descobrir que há imperfeições na sobreposição e fusão das imagens, e que a realidade física e a virtual se confundem facilmente. A familiaridade do cliché fica assim minada pela dúvida e pelo fascínio.

O fotógrafo continua a trabalhar sobre clichés, e em 2017 é apresentado General View, um livro fotográfico sobre o parque nacional Yosemite, um dos mais emblemáticos, conhecidos e fotografados parques dos Estados Unidos da América. Yosemite ocupa um lugar de destaque na história da fotografia, tendo sido eternizado por grandes fotógrafos americanos de paisagens, como Ansel Adams. É por isso natural que seja conhecido por qualquer fotógrafo, amador ou profissional, e é também por isso que a sua escolha como assunto para as suas fotografias revela a preocupação de Albdorf questionar os métodos fotográficos tradicionais e interrogar se fazer print screens de imagens vistas na internet também constitui parte da prática fotográfica na era em que a imagem fotográfica, como todos os outros tipos de média, é cada vez mais usualmente definida por uma abstrata série de dados que por conveniência computacional tem a forma de uma sequência muito grande de números.

Albdorf embarca entusiasticamente na nova prática, colecionando fotografias que encontrou na internet de locais em Yosemite, e tirando print screens do Google Street View em Yosemite. Fazendo novamente uso das potencialidades da pós-produção digital, compõe, com essas imagens e com outras que fotografou em estúdio, fotografias que no seu conjunto criam uma ficção sobre uma viagem ao parque de Yosemite.

A componente ficcional está presente em vários níveis: se por um lado há a tentativa de criar uma narrativa interessante e coerente, há também, por outro, a tentativa de criar a ilusão de que o fotógrafo esteve realmente em Yosemite, sem na verdade ter visitado os locais fotografados. Albdorf trata ele mesmo de destruir a ilusão, deixando marcas visíveis do seu trabalho de pós-produção, um piscar de olho que atenua o impacto do quebrar do feitiço (ou do desfazer da ilusão), e que nos diz que Albdorf esteve sempre conscientemente a levar-nos aos sítios que nos queria mostrar, que esteve sempre em controlo.

Na sua mais recente série de fotografias, A miss is as good as a mile, apresentada em 2018, Albdorf, contudo, abdica do seu controlo total. A proliferação de imagens nos computadores ligados à internet global continua no centro das suas atenções, levando-o a questionar-se se as imagens que nos ajudam a definir o mundo em que vivemos da mesma forma que os clichés alpinos nos ajudam a definir a Áustria; se essas imagens podem ter sido criadas por um computador ou muitos computadores ligados uns aos outros. A realidade virtual torna-se totalmente um produto do silício, nunca tendo ocupado o espaço mental de um humano.

A miss is as good as a mile conta a história de uma suposta viagem de férias mediterrânicas, replicando a vista de uma montra com souvenirs na forma de estatuetas romanas, ou a de um vulcão fumegante, ou ainda a de uma tarde passada na praia. Albdorf já fez férias nessa parte do globo, contudo nunca a visitou em trabalho fotográfico. As suas fotografias são portanto o resultado do seu processo criativo de fusão de imagens que foi encontrando em vários sítios, na internet ou em livros, e de imagens de objetos que criou no seu próprio estúdio. A fusão das várias imagens foi parcialmente concretizado por um software programado com algoritmo apropriado, produzindo resultados ao mesmo tempo estranhos e familiares. Ao software é dado apenas parte da imagem-fonte,que este tenta depois reconstruir algoritmicamente na totalidade. Assim podemos ver uma série de estátuas romanas transformando-se umas nas outras, cada uma com a marca visível do trabalho do software, com uma parte do seu corpo deformada numa massa disforme.

O trabalho fotográfico de Thomas Albdorf está assim ligado pelos temas comuns da exploração de objetos esculturais e de realidades construídas perpetuadas no tempo, pela interrogação sobre o que permite distinguir o real do virtual, e sobre a própria conceção da fotografia na era digital.

A exposição “A Room With a View” está patente no FOAM em Amesterdão até 9 de setembro de 2018.

Podem consultar aqui o site do fotógrafo
E aqui o site do Foam

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