A utopia pode esconder uma distopia
Texto: NUNO GALOPIM
Entre o impacte de 2001: Odisseia no Espaço (1968) de Kubrick e o momento em que em 1977 o cinema ficção científica conquistou definitivamente um patamar de expressão global como consequência dos resultados obtidos por Star Wars, de George Lucas e Encontros Imediatos de Terceiro Grau, de Steven Spielberg, houve alguns episódios que procuraram contrariar a lógica de baixo orçamento que até recentemente caracterizava muitas das produções nesta área. Entre os projetos com algum fôlego (e bons resultados) esteve Logan’s Run, filme de Michael Anderson que entre nós chegou às salas de cinema como Fuga no Século XXIII.
Baseado no romance homónimo de William F Nolan e George Clayton Johnsson, originalmente publicado em 1967, Logan’s Run apresenta-nos uma sociedade aparentemente utópica que, no século XXIII, habita espaços subterrâneos já que o exterior se tornara impossível de suster a vida humana. Esse mundo de aparente felicidade, onde o trabalho parece quase não existir e o quotidiano de tudo e todos é votado ao lazer e hedonismo, é na verdade expressão de uma distopia já que não permite a ninguém viver mais do que 30 anos, havendo inclusivamente uma força policial – os sandmen – que têm por missão “terminar” aqueles que tentam escapar a esse destino. A “morte” pré-determinada na verdade é encenada como uma “renovação” à qual se sujeitam voluntariamente os que atingem o “último dia”, numa cerimónia com plateia ao vivo… Um código de cores nas roupas e também num ‘aplique’ nas palmas das mãos (na verdade ninguém faz nada, por isso não é um empecilho) dá conta de quem tem ainda muitos ou poucos dias e anos pela frente. Todos são jovens, todos são saudáveis. Quase todos aceitam e acreditam naquele modelo de vida. Mas há quem sinta que há algo errado naquilo tudo. São esses os que costumam tentar fugir. Mas, pela intervenção dos Sandmen, poucos conseguem escapar.
Herdeiro, de certa forma, de algumas visões de Amdirável Mundo Novo de Huxley, o filme vai ao texto de William F Nolan e George Clayton Johnsson buscar alguns elementos, embora modifique muitos outros (como o passar do “último dia” dos 21 para os 30 anos). Filmado no espaço de um centro comercial que estava a semanas de abrir as portas, Logan’s Run procura mostrar como por detrás das fachadas outras casas se escondem. Ao acompanhar um Sandman (interpretado por Michael York) a quem é dada a missão de descobrir um local secreto para o qual tentam ir os que procuram escapar à “renovação” a trama mostra como perseguidor se pode transformar no perseguido. Porque, como sempre, o acesso à informação nos dá armas para contestar a mentira instituída pelo poder.
Efeitos visuais que traduzem sinais dos tempos e um trabalho de direção artística que procurou imaginar uma sociedade do futuro são peças apetitosas no reencontro, agora com valor histórico, com um filme que, no elenco, guarda ainda pequenos tesouros como as participações de Peter Ustinov e Farrah Fawcett. A nova edição em Blu-Ray apresenta como extras comentários pelo realizador Michael Anderson, o ator Michael York e ainda Bill Thomas, responsável pelo guarda-roupa do filme.
“Logan´s Run”, de Michael Anderson, está disponível em Blu-Ray numa edição da Warner Bros.
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