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Estado de graça

Texto: DANIEL BARRADAS

Um dos melhores álbums portugueses deste ano foi gravado ao vivo na Noruega no ano passado. Nele encontramos os talentos de Rita Maria e Filipe Raposo em estado de graça, num repertório que vai de Estocolmo aos Açores e ainda atravessa o Atlântico.

23 de Novembro de 2017, sala Cosmopolite, Oslo, Noruega. Data e local de um concerto notável, agora disponível nas plataformas de streaming digital para nosso deleite.

Live in Oslo, no seu eclético repertório e virtuoso esplendor de execução soa como o corolário de uma carreira mas é, paradoxalmente, o primeiro registo (por enquanto apenas digital) a expor ao mundo o trabalho conjunto de dois músicos que respiram cumplicidade e que se exprimem em total liberdade nos seus respectivos instrumentos: a voz e o piano.

Tanto Rita Maria como Filipe Raposo têm já atrás de si carreiras com talento mais que provado mas juntos, entendem-se como poucos. Não é só o virtuosismo que os mantém par-a-par, mas também a versatilidade e ecletismo. Basta reparar que o repertório é interpretado em 4 línguas diferentes (que Rita Maria domina perfeitamente) e que o jazz que estes dois artistas trazem no sangue consegue abarcar e engolir a ópera barroca, a tradição folclórica ibérica, a canção francesa, o blues, os musicais… Tudo faz sentido porque tudo é digerido e processado por duas mentes que pensam a música do mesmo modo. E no final, em Uncertainly lost in Stockholm, uma composição original de Raposo, a voz e o piano escancaram o seu sincronismo estonteante. Respiram em conjunto, dialogam, divertem-se. Filipe Raposo faz o seu piano cantar e Rita Maria usa a sua voz como o mais versátil dos instrumentos.

Cada uma das versões apresentadas neste alinhamento merece atenção, sejam os clássicos mais previsíveis mas inesperadamente vívidos e desarmantes como My favorite things ou Moon River, sejam surpresas como a ária barroca Here the deities approve transformada num mui cool e dançável pedaço de jazz.

Pelo caminho é feita mais que justiça a Zeca Afonso em Redondo vocábulo e temas folclóricos como Senhora do Almortão não ficam atrás de blues mais clássicos como Goodbye pork pie hat.

Filipe Raposo e Rita Maria não são (ainda) nomes que movam grandes platéias ou provoquem surtos de orgulho patriota como outros que passaram já pela sala do Cosmopolite (Ana Moura, Katia Guerreiro, Sérgio Godinho, David Fonseca, Cristina Branco…). Naquela noite a audiência era pequena, mais próxima da de um clube de jazz, mas a decisão de fazer uma gravação do concerto foi acertada. Não só ficará como registo mítico de um momento perfeito com dois músicos em estado de graça, isto é material que decididamente merece aplausos no final de cada canção.

Rita Maria & Filipe Raposo, “Live in Oslo”, Lugre records ★★★★★

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