Dez clássicos do tempo em que o ‘disco’ cresceu da noite para o dia
Seleção e textos: NUNO GALOPIM
A estreia do filme Febre de Sábado à Noite em dezembro de 1977 operou o “clique” que faltava a uma música (e toda uma cultura a si associada) que, apesar de primeiros êxitos, até aí vivia essencialmente em clima underground. Da noite para o dia, literalmente, assim transitou o disco sound ao longo de 1978. E durante os dois anos seguintes a sua presença nas ementas mais variadas fez-se notar de forma tão intensa que chegou, depois, a gerar marcas de igualmente visível oposição ao ponto de, chegados aos oitentas, o discurso crítico prevalecente olhar para o disco sound como um lixo a arrumar nos baús do esquecimento. Como sempre, os espíritos avessos à diversidade tiveram mãos no poder sobre o discurso musical durante um segmento de tempo. O disco sound afinal sobreviveu e conheceu descendências, revelando-se afinal tão capaz de resistir ao tempo e às mutações como o tem feito outro seu companheiro de então: o punk.
Chegados a 2018, 40 anos depois do momento em que o disco chegou ao mainstream e, depois, tanto encantou como incomodou, está na hora de olhar de novo para esta etapa da sua história sem haver já ao nosso redor aquela vontade de resposta violenta que alguns – talvez ainda mais incomodados com os valores associados ao disco do que com o tralálá quatro por quatro das canções – então exibiram.
Houve lixo? Claro que sim. E pérolas. Não é assim com qualquer música, movimento ou vaga? O tempo trata de separar o trigo do joio. O tempo também perdoa algum lixo, é verdade… Mas se o faz é que se calhar não era tão lixo assim… Cada um que decida por si. Mas nada como lembrar a banda sonora que então fazia a ordem do dia (e da noite).
Alicia Bridges “I Love The Nightlife”
Quando o ‘disco’ ganhou visibilidade mainstream tanto houve fenómenos de popularidade conquistados por novas vozes (e grupos) como momentos em que artistas com carreira já feita por outras músicas se renderam ao poder sedutor desta música que começara por viver de noite mas começava a cativar atenções também sob a luz do dia. Não faltaram também casos de one hit wonders e entre eles conta-se o que a cantora Alicia Bridges viveu ao som de I Love The Nightlife. Natural da Carolina do Norte, começara a cantar bem cedo e a fazer rádio. Em 1978 assinou um acordo discográfico e somou, logo, com I Love The Nightlife, um êxito de dimensão global. Apesar dessa experiência bem sucedida no disco, a cantora optou por caminhar por outros terrenos logo depois, não tendo contudo repetido o mesmo momento.
Village People “Y.M.C.A”
Originalmente uma banda de estúdio criada pelos produtores franceses Jacques Morali e Henri Belolo e pelo vocalista Victor Willis os Village People acabaram por surgir como um grupo dado o sucesso que o álbum de estreia, lançado em 1977, acabou por obter. As solicitações para que tocassem ao vivo, inicialmente no circuito de clubes, levou a que fosse reunido um coletivo que respondesse a uma ideia de soma de clichés da cultura gay norte-americana de finais da década de 70. Animados por uma abordagem musical focada no ‘disco’, os Village People dão segundo passo em 1978 com Macho Man, álbum cujo tema-título gera o seu primeiro êxito de dimensão global. Cabe porém ao single que, no mesmo ano, anuncia Cruisin’, o seu terceiro álbum, o momento que deles faz um fenómenos mainstream que continuará depois com In The Navy e a produção de um filme.
A Taste of Honey “Boogie Oggie Oggie”
Apesar de terem uma história invisível que remonta aos inícios da década de 70, as Taste of Honey emergiram em 1978 como uma das grandes novidades em plena era ‘disco’. Recentemente assinadas com um acordo para cinco álbuns, estrearam-se de facto em 1978 com um álbum ao qual deram o seu nome, escolhendo como single de apresentação o tema Boogie Oggie Oggie, que gerou uma reação de entusiasmo imediato nos EUA, tendo chegado a passar, durante três semanas, pelo número um na tabela dos singles mais vendidos. O grupo só não se tornou um caso de ‘one hit wonder’ porque, três anos depois, assinou novo episódio de sucesso com uma versão de uma canção de 1961 do japonês Kuy Sakamoto.
Rolling Stones “Miss You”
Uma das consequências da expansão do fenómeno ‘disco’ para um patamar mainstream em 1978 foi a expressão uma evidente contaminação que então se verificou junto de discos de outros artistas, alguns com um historial bem distante deste universo. Um dos casos notáveis de assimilação do ‘disco’ coube aos Rolling Stones que, em 1978, apresentavam uma canção bem diferente como single de avanço de um novo álbum de estúdio. Miss You, que anunciou o lançamento de Some Girls, ficou assim na história como o momento em que o ‘disco’ tocou à campainha dos Rolling Stones. A banda abriu a porta… e dançou.
Chaka Khan, “I’m Every Woman”
Chaka Khan tinha já cinco anos de atividade como voz dos Rufus quando, em 1978, surgiu a solo com um álbum de estreia que juntava os seus créditos funk a espaços de flirt com o disco. I’m Every Woman, canção composta pela dupla Ashford e Simpson e com produção de Arif Mardin, foi o tema escolhido como cartão de visita para o álbum Chaka. E foi um tiro certeiro, tendo então alcançado o número um na tabela R&B norte-americana, garantindo a Chaka Khan um considerável patamar de visibilidade mainstream que desde logo cimentou o arranque de uma carreira a solo. O impacte deste single na sua carreira seria apenas suplantado seis anos depois por I Feel For You.
Sylvester “You Make Me Feel (Mighty Real)”
Depois de uma etapa em que se estreou nos discos em 1973 como Sylvester & His Hot Band (editando então dois singles), o cantor encetou uma carreira a solo, tendo editado um primeiro álbum em 1977. O disco passou longe das atenções. E talvez caminho igual tivesse seguido um dos temas do seu segundo álbum – Step II, de 1978 – caso o produtor Patrick Cowley não o tivesse escutado e proposto uma remistura que definisse uma outra abordagem à canção. Assim surgiu, na forma em que a conhecemos, a canção You Make Me Feel (Mighty Real), que se revelou então, e na linha do então recente I Feel Love, de Donna Summer, um dos primeiros exemplos de ligação do disco a eletrónicas. Ligação que teria vasta descendência não só naqueles dias como nos anos seguintes.
The Jacksons “Blame it on the Boggie”
Os irmãos Jackson, que tinham iniciado a sua carreira como Jackson 5, nome que ficou associado à etapa durante a qual gravaram para a Motown. Em 1976 assinaram novo acordo com a Epic, passando a apresentar-se como The Jacksons. Editado em 1978 o álbum Destiny foi o terceiro que editaram já sob este nome, tendo representado o primeiro em que os irmãos tomaram a produção inteiramente nas suas mãos e conseguiram assim assegurar o absoluto controlo artístico sobre o disco. Apesar de alguns flirts com o ‘disco’ coube a alguns momentos de Destiny o mais evidente mergulho do grupo por estes universos. O tema que maior sucesso obteve entre os singles extraídos do álbum tornou-se num clássico do ‘disco’. Blame it on the Boggie era um original recente do inglês Mick Jackson, nas foi nesta versão dos Jacksons que conquistou o mundo.
Blondie “Heart of Glass”
Nascidos em plena agitação punk na Nova Iorque de 1974, os Blondie eram já uma reconhecida força pop quando, em finais de 1978 apresentaram o seu terceiro álbum de originais Parallel Lines. O álbum teve entre os seus primeiros aperitivos verdadeiras pérolas de sabor new wave como Picture This, I’m Going To Love You Too ou Hanging on The Telephone, editados como singles na reta final de 78. Coube contudo ao quarto single extraído do álbum transformar-se num sucesso planetário. Animado por vitaminas disco sound (que os Blondie voltariam a explorar, por exemplo, em Atomic), Heart Of Glass levou a música do grupo a todos os cantos do globo. O efeito de “contaminação” de outros territórios tornava-se evidente.
Chic “Le Freak”
Formados em 1976 em volta do guitarrista Nile Rodgers e do baixista Bernard Edwards, os Chic estrearam-se em disco em 1977 e somaram momentos de sucesso imediatamente com os seus dois primeiros singles, Dance, Dance, Dance (Yowsah, Yowsah, Yowsah) e Everybody Dance, este já lançado em 1978. Coube contudo ao single de estreia do seu segundo álbum C’Est Chic, editado em agosto de 1978, o momento em que o êxito subiu de escalão, dando-lhes um número um na tabela de singles norte-americana, conhecendo impacte igualmente expressivo pelo mundo fora, alcançando vendas na ordem dos sete milhões de unidades. Le Freak tornou-se uma referência do ‘disco sound’ incluindo a letra uma referência ao Studio 54, discoteca nova-iorquina que foi então um dos epicentros deste fenómeno.
Bee Gees “Night Fever”
Dominada por canções dos Bee Gees, mas com outras mais pelo meio, a banda sonora de Saturday Night Fever (entre nós Febre de Sábado à Noite) teve edição em disco – um álbum duplo – em meados de novembro de 1977, ou seja, um mês antes da estreia do filme. Na verdade a série de aperitivos tinha começado a ser servida em setembro, com uma sucessão de singles que, de um para o seguinte, cada vez maior sucesso iam conhecendo. How Deep is Your Love e More Than a Woman abriram o caminho e, no final do ano, Stayin’ Alive tornava-se num sucesso planetário cujos ecos ressoariam por 1978… O efeito de continuar o fenómeno coube então, no início do novo ano, a um quarto single. Este Night Fever fecharia o ciclo ligado a Saturday Night Fever. Em 1979 a discografia dos Bee Gees conheceria novo episódio de triunfo global com o álbum Spirits Having Flown.
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