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Uma voz na pop que não soa a mais do mesmo

Texto: NUNO GALOPIM

A jovem francesa Jain confirma, ao segundo álbum, que é autora de uma música pop capaz de cativar atenções e, ao mesmo tempo, expressar marcas de identidade bem peculiares. Canções ainda com sabor a dias quentes para sugerir que a rentrée está a chegar.

Havia quem já tivesse dado por si. Afinal tinha editado um primeiro álbum em 2016 e Come, um dos singles desse disco, conquistou grandes atenções (sobretudo em Espanha e na França). Mas confesso que só dei por ela este ano quando, a preparar o trabalho para fazer no NOS Alive, as suas canções deixaram o apetite em alta. Apetite devidamente saciado numa atuação que não deixou indiferente quem estava, naquele primeiro dia de festival, entre a plateia (cheia) em frente ao palco secundário. Na altura Jain passou pelas canções do disco de estreia mas lançou algumas pistas para um segundo disco cuja edição estava já então agendada para o fim de agosto. Assim se cumpriu. E, agora, editado, Souldier confirma que nesta jovem francesa está uma das grandes forças criativas da mais nova geração de músicos pop. E tudo isto com uma linguagem muito pessoal e que resiste em tudo às armadilhas do mais do mesmo dos sabores da temporada que por aí andam nos patamares da esmagadora maioria dos acontecimentos pop mainstream.

A coleção de referências e sons que passa pelas suas canções conta, tal como no disco de estreia, parte da sua história geográfica. Natural de Toulouse, viveu a infância e parte da juventude entre o Dubai e a República do Congo. Foi em Point Noite, pequena cidade na República do Congo, que fez primeiras canções numa etapa em que conviveu com um grupo de amigos onde havia rappers (que ela mesma notou que queriam sobretudo seguir caminhos semelhantes aos americanos) e também quem a apresentasse ao universo das batidas e dos loops. As relações com os lugares e as suas músicas ganhou novas pistas quer quando viveu, depois, no Abu Dhabi quer quando, apenas em viagem, passou por lugares como a Índia, Jordânia, África do Sul, Madagáscar, Austrália ou os EUA. Essas somas de experiências acabariam por definir o caminho da sua vontade em trabalhar música quando se instalou (mais demoradamente) em Paris, para concluir uma formação em artes. E quando as canções começaram a surgir, tinham todos estes mundos em si.

Depois de primeiras experiências nas quais a relação com a guitarra a mostravam ainda perto dos modelos mais clássicos dos singer-songwriters, em 2016 o álbum de estreia Zanaka revelava já sinais evidentes de personalidade tanto da autora como da intérprete. Pop na essência, o disco assimilava tanto pistas através das ferramentas eletrónicas usadas (não as únicas ali empregues, sublinhe-se) como, depois, nas referências musicais e temáticas que estabeleciam relações emocionais, sobretudo no plano das suas vivências de juventude ou celebrando em Makeba a memória de uma figura marcante na história da canção popular africana, o álbum abria contudo espaço a cruzamentos com outras referências, celebrando luz e diversidade num corpo que celebra o mundo cultural sem barreiras em que vivemos no século XXI mesmo sem que, como no caso de Jain, tenhamos passado por estes ou aqueles lugares.

Alright e Star, ambos lançados já este ano, desempenharam bem o papel de cativantes cartões de visita para o segundo álbum. Ambas as canções sublinhavam logo caminhos sugeridos no álbum de estreia, sugerindo um foco mais direcionado para as eletrónicas sem, contudo, perder diversidade nos timbres, nos ritmos, na luminosidade (que se mantém coisa de cores quentes). Star, em particular, vinca um tom festivo que pisca o olho a uma assimilação garrida de ecos do techno e, vocalmente, soma pistas tanto entre a pop como num modo depurado de aceitar heranças do rap, piscando ainda o olho a memórias da cultura dos videojogops…

Souldier leva as promessas a bom porto. Junta mais uma nota de geografia pessoal em Abu Dhabi, desenha um novo flirt com recordações da cultura popular em Inspecta, junta dub em Feel It, e no tema título deixa claro que há um programa de ideias na medula desta pop luminosa quando diz “love is always right”. O melhor de uma nova pop de apelo mainstream, mas com vontade de dizer “eu” em vez de se render ao que as tendências das modas pedem. Não será o manifesto de uma revolução. Mas mostra que se pode ser acessível, irresistível e ter uma voz diferente.

“Souldier”, de Jain, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais numa edição da Columbia ★★★★


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