As memórias, segundo Ólafur Arnalds
Texto: NUNO GALOPIM
O tempo dos muros e distâncias entre géneros musicais é coisa que já lá vai. E, de facto, cada vez mais se diluem espaços e ideias, cruzando-se e trocando-se formas, timbres, experiências. A coisa pode ser complicada para quem gosta de usar as nomenclaturas antigas. Onde metemos um Max Richter? Ou um Nils Frahm? Ou o recentemente desaparecido Johnann Johansson?… Um outro nome a caminhar por estes mesmos terrenos é o do islandês Ólafur Arnalds, músico e produtor que, aos 36 anos, tem já uma obra de invulgar abertura a diferentes formas e estéticas.
O percurso de Ólafur Arnalds passou já por bandas de metal e hardcore. Teve depois projetos na área do tecno… As eletrónicas começaram então a cativar a sua atenção, embora deixando sempre em aberta a possibilidade de explorar outras visões e combinações.
Não imagino se há alguma coisa na comida, nas rotinas ou nas paisagens islandesas que leva os músicos a gostar de desenhar cenografias e ambientes através da música. Mas a verdade é que, tal como nos discos de compatriotas seus como Johann Johannson, os Sigur Rós ou Múm, também Ólafur Arnalds encontrou uma forma particular de criar cenografias e ambientes, por todos eles passando não apenas noções de distância no espaço mas também no tempo… Memórias que, assim como as paisagens, podem lançar-se pela nossa frente como espaço a contemplar. Para evitar confusões, que fique claro que há muita música na Islândia e, como em qualquer outra geografia, nem toda a música que se faz num lugar aponta aos mesmos azimutes. Mas este gosto pela presença de um certo desmulmbramento pelo paisagismo, pelas estéticas “ambientais”, parece ser um espaço da música islandesa que consegue atravessar o oceano e chegar a ouvidos mais distantes… Seremos então nós a definir assim um ‘cliché’? É possível…
Mas voltemos ao músicos de quem aqui se fala hoje…
O percurso mais recente de Ólafur Arnalds tem-no aproximado de um terreno no qual a música de raiz orquestral – valorizando sobretudo a presença das cordas – convive carnalmente com beats e fraseados desenhados por eletrónicas. Não se trata já de uma terra de ninguém entre dois mundos, mas sim uma nova via que define uma música que é expressão evidente de interesses e marcas do nosso tempo.
Primeiro álbum a solo desde For Now I Have Winter, de 2013, mas sucedendo mais diretamente a trabalhos recentes na composição de bandas sonoras ou na realização de projetos em colaboração (com Nils Frahm como uma das presenças mais recorrentes), Re:member é mais uma coleção de olhares ambientais que sugerem paisagens (e as tais memórias) de vistas largas, plácidas no tom, elegantes nas formas e plenas de delicada riqueza melódica. Sohn assinala aqui um episódio vocal diferente dos que escutávamos no álbum de 2013, abrindo também aqui novas possibilidades… Está talvez chegada a hora de Ólafur Arnalds fazer o seu Songs From Liquid Days. Quem não entendeu à primeira esta alusão que resolva a coisa escutando o grande ciclo de canções que Philip Glass apresentou em 1986 e no qual as barreiras entre o popular e o erudito, tal como na música de Ólafur Arnalds, não faziam sentido.
“Re:member”, de Ólafur Arnalds, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais numa edição da Decca.
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