Mais uma incursão pelas memórias dos Depeche Mode
Texto: NUNO GALOPIM
O colecionismo tem destas coisas. Mais do mesmo? Sim, desde que com uma nuance, dirão os colecionadores… E assim, tendo por um lado os colecionadores e, pelo outro, os que nunca até aqui tinham mergulhado na obra editada em formato de máxi-single, eis que se apresenta uma nova série de lançamentos dos Depeche Mode. São caixas, com apresentação irrepreensível, que vão juntar os máxis associados a cada álbum dos Depeche Mode. Os máxis, apenas, reproduzido-os tal e qual surgiram originalmente, não juntando assim faixas extra.
A história começa a fazer-se com a edição de caixas que recordam os máxis associados aos álbuns Speak & Spell (1981) e A Broken Frame (1982), mostrando o grafismo elementos que associamos diretamente à memória visual de cada um desses dois discos.
Há desde logo uma nuance curiosa na caixa com a etapa Speak & Spell já que Dreaming Of Me, o primeiro single dos Depeche Mode, teve apenas edição no formato de sete polegadas, sem versões longas nem para o tema principal nem para o belíssimo Ice Machine do lado B. Esta caixa recupera ambos os temas nessas misturas originais, cometendo, contudo, a “originalidade” de os apresentar num doze polegadas que amplifica a esse formato da própria capa. A outra “novidade” da caixa é uma reprodução de um flexi-disc com o tema I Sometimes Wish I Was Dead, juntamente com um tema de Fad Gadget.
Etapa criativamente entregue às mãos de Vince Clarke, o ano de 1981 conciliou uma faceta pop mais imediatista – dos lados A – com lados B de alma mais experimental. É particularmente interessante a versão longa do lado B de New Life – Shout (Rio Mix) – que junta um tema lo-fi, de alma cold wave, que ensaia na mistura original flirts com elementos sónicos que prenunciam um encantamento industrial mas, nesta versão longa, exibe sinais de eletro pop irresistível. Tal como o faz a versão longa de Just Can’t Get Enough (a Schizo Mix). Já o lado B deste, que foi o primeiro êxito global dos Depeche Mode, apresenta uma versão mais elaborada da leitura instrumental de Any Second Now, uma das várias incursões dos Depeche Mode por terrenos claramente influenciados pelos minimalistas.
A saída de Vince Clarke, ainda em 1981, levou a que uma nova voz criativa tomasse o lugar na escrita das canções dos Depeche Mode. Martin L. Gore teve assim ordem para imaginar o que seria o passo seguinte, conseguindo definir em A Broken Frame um espaço de transição entre os hinos pop luminosos de Speak & Spell e espaços mais sombrios e pessoais que aprofundaria em discos seguintes. Os singles traduzem esse momento, uma vez mais abrindo espaço a ousadias maiores nos lados B. See You e The Meaning Of Love são exercícios de continuidade, cabendo a Leave In Silence uma inesperada proposta mais melancólica para single.
Nas versões longas See You não junta muito mais ideias ao tema original, sendo bem mais desafiante o lado B Now This Is Fun, canção pop eletrónica que se apresenta segmentos com registos rítmicos distintos e que traduz ainda ecos dos registos sonoros usados no álbum de estreia, embora procurando outras fontes de contaminação numa postura de alma pós-punk. The Meaning Of Love – Fairly Odd Mix é uma proposta surpreendente abrindo espaço a sequências instrumentais inesperadas. Mas uma vez mais vem do lado B a pérola esquecida, numa versão longa do instrumental Oberkorn – It’s a Small Town. Já o máxi de Leave In Silence é uma obra com narrativa acrescentada face ao single, propondo dois olhares diferentes (um deles mais lento) para a canção principal e abrindo igualmente novas frentes de trabalho entre My Secret Garden.
É claro que estas versões já existiam nas caixas em CD que juntavam os singles e máxis dos Depeche Mode. Mas o sabor do vinil é outra coisa, de facto… E estando alguns destes máxis transformados em raridade no circuito do colecionismo e dos discos usados, as caixas podem acabar por conquistar atenções… Vejamos como estas correm… Porque do seu sucesso deverá depender a continuação da operação.
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