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A força de quem canta a sua identidade

Texto: NUNO GALOPIM

O terceiro álbum de Anna Calvi mantém as marcas de personalidade que já lhe eram conhecidas e junta uma abordagem temática bem focada e uma produção que vinca mais ainda as suas características dramáticas.

Passaram cinco anos entre o mais recente disco de Anna Calvi e um novo disco que, plenamente, confirma que nem só a espera valeu a pena como na sua voz (cantada e criativa) mora uma das mais talentosas cantautoras da sua geração.

Nacida em Twickenham (nos arredores de Londres) em 1980, Anna Calvi correu em tempos pelos circuitos nu-folk, mas descobriu um caminho num espaço que tanto herda de tradições clássicas da cultura pop/rock como de um sentido de elaboração cénica que mais parece coisa do mundo do cinema. De resto, quando lançou o seu álbum de estreia, além dos rasgados elogios de Brian Eno, um dos seus admiradores de primeira hora, o desfile de nomes habitualmente associados a textos que falavam da sua música ia de figuras tutelares como as de Pattti Smith ou PJ Harvey (todavia sem a alma poética da primeira) a respeitáveis realizadores como David Lynch ou Wong Kar-Wai. Referências certeiras, acrescente-se.

Esse primeiro álbum editado em 2011, ao qual chamou simplesmente Anna Calvi, deu logo plena razão em quem depositava expectativas neste talento emergente, como nos mostra um daqueles raros discos de estreia que parecem mais do que um promissor programa de intenções. One Breath, dois anos depois, não desiludiu. Mas cabe agora a Hunter o momento que lhe pode valer um reconhecimento de mais ampla dimensão. A escrita encontrou um corpo temático pungente, claramente direcionado, que fala de sobretudo questões identitárias (de género, de sexualidade). E a música, sem deixar de lado as marcas de personalidade que antes já a demarcavam, ganhou ainda maior carga dramática, uma vez mais profundamente cinematográfica, facto que não será estranha a presença do produtor Nick Launay (que tem sido uma peça marcante nos mais recentes discos de Nick Cave).

Hunter revela um seguro conjunto de canções que, de facto, sugerem a ideia clássica do “álbum”. Estão aqui algumas das melhores composições de Anna Calvi (o primeiro disco tinha uma ou outra pérola imbatível) e há entre as palavras, a voz e a música, argumentos suficientes para que este álbum possa vir a tornar-se a obra de referência da sua discografia. As (já antigas) comparações com PJ Harvey é que não deverão deixar de pairar por aqui. Mas, basta recordarmos como as comparações com Bowie sempre assombraram (usar aqui a carga gótica da palavra) a voz de Peter Murphy e que essa foi coisa que nunca lhe lançou maus olhados, para entender como as afinidades e semelhanças naturais só deixarão de se notar se alguém fizer um esforço para as omitir ou disfarçar. Anna Calvi está bem assim. E se por vezes se sentem nela afinidades com PJ Harvey, que bom!

“Hunter”, de Anna Calvi, está disponível em LP; CD e nas plataformas digitais numa edição da Domino. ★★★★★

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