Dez hinos ‘new wave’ que marcaram o ano de 1978
Seleção e textos: NUNO GALOPIM
Há expressões na história da música que não representam necessariamente o mesmo para todos os que as enunciam. E “new wave” é precisamente uma das que mais leituras muitas vezes levanta. Para alguns, sobretudo em solo europeu, corresponde a um espaço diretamente descendente dos acontecimentos lançados pelo punk, numa rota de aproximação ao formato da canção pop e num quadro de tempo que corresponde à reta final da década de 70. Do outro lado do Atlântico, sobretudo na América do Norte, a new wave é muitas vezes entendida como aquele terreno pop/rock diretamente inspirado pelos ecos de Bowie, Roxy Music e eletrónicas emergentes que ganhou forma na alvorada dos anos 80. Há também quem ache que “new wave” não quer dizer absolutamente nada… Bom… Onde ficamos? Pela primeira definição, que corresponde à que se usava no Portugal de 1978 e 1979 precisamente para expressar novas formas de canção pop que tanto herdavam ecos da revolução punk como, ao mesmo tempo, assimilavam novos sinais dos tempos…
Apesar de alguns acontecimentos que podem vir de 1977, foi há precisamente 40 anos, ou seja, em 1978, que a “new wave” cativou atenções a ponto de colocar em cena uma série de artistas e bandas que teriam impacte significativo não apenas naquele momento mas nas cenas dos capítulos que de seguiram na história da canção pop… Vamos então lembrar dez canções e dez artistas/bandas que, em 1978, fizeram da “new wave” a sua voz.
Ian Dury & The Blockheads “What a Waste”
Com uma discografia que recua a 1974, Ian Dury começou a chamar atenções em 1977 com o single Sex and Drugs & Rock’N’Roll. O single vendeu 19 mil unidades no Reino Unido, o que não foi suficiente para entrar no top… Mas valeu a Ian Dury primeiros sinais de reconhecimento crítico. Com a edição do álbum New Boots and Panties tornou-se numa das vozes de referência de um catálogo discográfico que em pouco tempo se afirmaria como uma presença fulcral na emergente vaga da new wave: o da Stiff Records. Lançado em 1978 o single What a Waste representou um episódio intermédio entre o primeiro e o segundo álbum de Ian Dury e deu-lhe o seu primeiro single de sucesso.
Lene Lovich “Lucky Number”
Apresentado originalmente como lado B do single de estreia de Lene Lovich, Lucky Number surgiu em janeiro de 1979 num novo 45 rotações, desta vez ocupando o lado A, estatuto merecido pelo impacte que começava a gerar entre os temas do alinhamento do álbum Stateless, entretanto editado. O single não só mereceu opiniões favoráveis na crítica como se transformou num sucesso inesperado, atingindo o número 3 no Reino Unido, transformando-se depois num clássico da “new wave”. O refrão, feito do diálogo entre a guitarra e os gritos agudos de Lene Lovich fazia do tema algo de inesperado e único. Lucky Number ajudaria a definir a assinatura autoral do canto de Lene Lovich.
Devo “Jocko Homo”
Formados em 1973 em Akron, no Ohio, os Devo acabariam por se afirmar como uma das mais influentes forças da pop norte-americana na passagem dos anos 70 para os 80, representando naqueles dias, e por aqueles lados, um dos casos mais importantes de assimilação das eletrónicas em terreno pop/rock. O grupo, que explorou desde cedo um imaginário de ficção científica, estreou-se em disco com um primeiro single em 1977. No lado B surgia o tema Jocko Homo que, meses depois, seria regravado para, com novas formas, integrar o alinhamento do álbum de estreia Are We Not Men? We Are Devo! (1978), acabando depois a ser inclusivamente editado como um dos singles extraídos desse disco.
Magazine “Shot By Both Sides”
Howard Devoto, que tinha inscrito o seu nome na história do punk ao criar os Buzzcocks em 1976, abandonou o grupo em finais de 1977, partindo em busca de uma banda mais desafiante… Juntamente com Barry Adamson, o guitarrista John McGeosh e outros mais músicos criou então os Magazine, que se afirmariam em pouco tempo como uma das grandes forças da new wave britânica. O single de estreia dos Magazine (que surgiria no alinhamento de Real Life, o primeiro álbum do grupo, editado ainda em 78) seria este Shot By Both Sides, canção composta por Howard Devoto em parceria com Pete Shelley, seu antigo companheiro nos Buzzocks.
Blondie “Denis”
Ignorados “em casa”, os Blondie rumaram a Londres em busca de uma visibilidade que conquistaram, pouco depois, logo com o single que se seguiu, e que lhes valeu o primeiro de uma série de sucessos que atingiram o lado um da tabela de vendas e se projetaram para carreiras globais. O single não era mais que uma versão de um velho tema de 1963 de Randy & The Rainbows, Denise, ao qual Debbie Harry aplicou uma expedita mudança de género, cantando também um dos versos em francês como quem adiciona tempero chique à condimentação final. Na versão dos Blondie, Denis encetou um definitivo destino pop na carreira dos Blondie (entretanto transformados em sexteto com a adição de um músico inglês).
Cars “Just What I Needed”
Os ecos da revolução que tinha encontrado plataforma de comunicação maior no pequeno palco do CBGB, em Nova Iorque, fizeram-se notar numa série de novas bandas americanas que, motivadas pela ética libertadora do punk, encontraram novos modos de encarar a canção pop/rock sugerindo assim os caminhos que definiram a new wave que cativou atenções no lado de lá do Atlântico em finais da década de 70. Nascidos em Boston em 1976 os Cars juntavam aos ingredientes do momento um sentido de melodismo pop e a presença das teclas. Este Just What I Needed foi o single que apresentou o seu álbum de estreia, em 1978.
XTC “This Is Pop”
Com uma pré-história que recua a 1972 e um percurso de formação pessoal dos músicos que colheu ecos da pop dos anos 60 (Andy Partidge sempre o deixou bem claro), os XTC entraram em cena no panorama discográfico em 1977 com um single (produzido por John Leckie, sim o mesmo dos Stone Roses) que mostrava que o clima da revolução punk era ali assimilado mas desde logo projetava outras possibilidades. Os álbuns que o grupo editou na reta final dos anos 70 e nos oitentas fizeram deles uma das pérolas maiores da pop britânica. Mas em 1978 o seu álbum de estreia seria um dos motores de afirmação da new wave. E este foi o segundo single a dele ser extraído.
Squeeze “Take Me I’m Yours”
Pode haver quem hoje se refira aos Squeeze como a “banda de Jools Holland” (que é um facto), mas quando o grupo editou em 1978 o seu álbum de estreia o jovem teclista estava longe de ser o foco das atenções. O disco refletia os ares de um tempo em que, apesar dos ecos da revolução punk, uma nova geração de bandas procurava na pop uma forma de expressar uma atitude igualmente vibrante. Chamaram John Cale para produzir o álbum, mas na hora de criar os singles optaram por confiar no seu sentido mais… pop. Take Me I’m Yours, que foi o single de estreia do grupo, vincou ainda o jogo a duas vozes que seria uma das imagens de marca dos Squeeze.
Wire “I Am The Fly”
Formados em Londres em 1976, em plena revolução punk, os Wire fizeram do seu álbum de estreia Pink Flag, editado em 1977, um dos mais importantes discos do movimento. Contudo, ao criar os episódios seguintes, optaram por deixar para trás o registo mais minimalista e conciso das canções do disco de estreia e optaram por trabalhar ambientes mais elaborados, ocasionalmente aceitando a presença de sintetizadores. Chairs Missing, o segundo álbum, editado já em 1978, mostrava-os em estúdio ao lado de Mike Thorne, que seria um produtor marcante na moldagem de caminhos novos para a canção pop na alvorada dos oitentas. Antes do álbum o single I Am The Fly serviu de cartão de visita às novas ideias que vinham a caminho e que ajudariam a definir o que então se começou a designar por new wave.
Elvis Costello “Radio Radio”
Um ano depois de editar um primeiro álbum Elvis Costello apresenta em 1978 This Year’s Model, o seu primeiro disco com os Attractions. É um disco mais intenso que o álbum de estreia e traduz formas ainda próximas de linguagens punk. Cabe a Radio Radio, um single que surge no Reino Unido pouco depois (mas que nos EUA seria incluído no alinhamento do álbum) a abertura de horizontes a linhas pop mais evidentes que teriam expressão de ainda maior impacte no seu sucessor, Oliver’s Army, o single de maior sucesso na carreira de Elvis Costello.
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