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Meio século de aventuras eletrónicas

Texto: NUNO GALOPIM

Pioneiro francês da música eletrónica e figura marcante no estabelecimento de relações desse universo de sons e ferramentas com o da cultura pop, Jean Michel Jarre apresenta uma antologia que faz o retrato de meio século de vida profissional.

Foi em 1968, há precisamente 50 anos, que Jean Michel Jarre encontrou o seu caminho. Tinha então 20 anos e já algumas experiências na música, não só no percurso de formação que fazia há já algum tempo no conservatório, como em primeiras manobras pop, tendo tocado guitarra numa banda. Mas foi em 1968 que começou a trabalhar com fitas magnéticas e outros novos instrumentos, juntando-se pouco depois ao Groupe de Recherches Musicales (dirigido por Pierre Schaffer), um dos laboratórios de invenção de novas possibilidades para a música eletrónica. Foi aí que encontrou ideias e explorou ferramentas que lhe permitiram desenhar primeiras formas numa série de obras que foi compondo por aqueles dias. Composições como La Cage e Erosmachine (que editou num primeiro single lançado em 1969), o bailado AOR (de 1970) ou a banda sonora de La Chanson des Granges Brulées (1973), que agora surgem integradas no alinhamento de Planet Jarre, uma antologia de grande fôlego que recorda os 50 anos de trabalho do músico francês nos terrenos da música eletrónica.

Levou tempo a que o devido reconhecimento lhe fosse concedido. E mesmo assim há quem ainda olhe de soslaio para um nome que temos de reconhecer como uma força maior não apenas entre os pioneiros da aventura das eletrónicas nos espaços da música popular, como no moldar de uma ideia de música cósmica pulsante a que se convencionou chamar space disco na segunda metade dos anos 70. Isto sem esquecer o facto de ter sido o primeiro músico ocidental a atuar na China depois da sua “revolução cultural” (e com um sentido de interação e diálogo que escapou à digressão dos Wham! que por ali passou também na primeira metade dos oitentas), de ter sido protagonista maior na criação de concertos que transcendem o espaço da sala e envolvem espaços da cidade que o acolhe ou de ter feito do álbum Music For Supermarkets (1983) um raro episódio de reflexão entre o mercado do disco e o mercado da arte, já que desse LP foi apenas prensada uma cópia que depois foi vendida em leilão, tal e qual acontece com outras obras de arte. Já o sonho de incluir num disco seu a primeira gravação feita no espaço representou um dos momentos mais dramáticos da sua vida profissional, uma vez que o saxofonista que iria participar nesse feito foi um dos astronautas mortos pela explosão do space shuttle Challenger, em janeiro de 1986.

Foi o próprio Jean Michel Jarre quem desenhou o alinhamento desta antologia que, no formato de vinil, se apresenta no formato de álbum quádruplo. E cada um corresponde aos quatro universos que Jarre imaginou para aqui arrumar algumas memórias. No primeiro, a que chamou “soundscapes”, juntou peças que refletem o seu gosto pela música clássica e pela criação de ambientes. E ali estão elementos mais paisagísticos extraídos de álbuns como Oxygene (na verdade dos volumes 1 e 3 dessa trilogia), Waiting For Cousteau, Chronologie ou Equinoxe. O segundo segmento, com a designação “themes”, caminha entre as suas incursões mais evidentes pelo melodismo da canção pop, chamando ali temas como Magnetic Fields II. Equinoxe IV, Industrial Revolution II, Zoolookologie ou Rendez Vouz IV. A terceira parte, “sequences”, inclui peças que refletem um interesse pela música repetitiva e mais hipnótica, incluindo uma versão de estúdio (inédita) de Coachella Opening. As memórias de primeiras experiências, assim como peças mais experimentais (duas delas extraídas do magnífico Zoolook, de 1984) e, pela primeira vez numa edição comercial, um excerto de Music For Supermarkets, completam o quarto segmento, “explorations & early works”.

Jarre fica bem servido com esta antologia que nos dá um retrato de si mesmo pensado como ele mesmo gostaria que o encarássemos. Continua, contudo, a faltar à sua discografia, uma integral que dê vida a peças menos lembradas como, por exemplo, o álbum de estreia Deserted Palace (de 1973) que, apesar de já visitado numa antologia de raridades, continua a ser peça esquecida e injustamente ignorada no corpo da sua obra. É certo que ainda este ano vamos ter uma sequela de Equinoxe. Mas se estamos em maré de celebrar meio século de trabalho, nada como pensar na criação de uma integral não só “de facto” completa como devidamente estruturada, com extras, textos, fotos, etc… Basta olhar para o que os Pet Shop Boys fizeram com as edições de álbuns com os discos-companheiro “further listening” para ver como se faz bem a coisa (mesmo não sendo o conceito, aí, o de uma “integral”, se bem que na obra de Jarre o volume de gravações será certamente diferente).

“Planet Jarre – 50 Years of Music”, de Jean Michel Jarre, está disponível em edições especiais em vinil e CD, além das mais “simples”, sem esquecer as plataformas digitais, num lançamento da Columbia/Sony.





PS. Pelo que me foi dito o disco não terá distribuição nacional.

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