Da Terra à Lua: os sonhos, antes da realidade
Texto: NUNO GALOPIM
Em 1961 John F. Kennedy lançou o desafio num discurso: chegar à Lua antes do fim da década era o objetivo que, apesar da dimensão da tarefa lançada, acabou por ser plenamente alcançado: Neil Armstrong pisou o solo lunar a 20 de Julho de 1969… Mas muito antes de uma das maiores aventuras da ciência e da tecnologia se tornarem uma realidade, já a imaginação humana tinha sonhado com o momento em que o homem chegava ao pequeno astro que nos faz companhia todas as noites.
O mais antigo relato de uma viagem à Lua data do século II a.C., assinada por Luciano de Samóstrata. Na sua História Verdadeira (que data de 160. a.C.) fala não apenas de uma viagem à Lua, lugar onde os dois heróis chegam com a ajuda de uma tromba de água, mas dos habitantes e do rei que ali contactam.
No século XVII a Lua surgiu novamente na lista dos destinos de alguns dos primeiros ensaios de uma escrita que podemos entender entre as formas que antecederam a ficção científica. Kepler usou Somnium (escrito em 1610, mas apenas publicado depois da sua morte, em 1634), para refletir sobre algumas das suas preocupações científicas num texto de ficção no qual leva um viajante islandês até à Lua…. Francis Goodwin, em 1638 imagina semelhante destino para as viagens de um espanhol, que chega à Lua depois de transportado por alguns gansos.
Cyrano de Bergerac levou-nos à Lua em Voyage dans La Lune (1657). Desta vez, a propulsão contou com a ajuda de fogo de artifício. Um engenho serviu depois a viagem que acompanhamos, já no século XVIII, em The Consolidator (1705), de Daniel Defoe. Em plena idade das Luzes, a Lua surgiu por duas vezes entre as descrições das viagens do Barão Münchausen que descreveu a flora e fauna locais. Em inícios do século XIX Washington Irving tomou a Lua como cenário de The Conquest Of The Moon (1809).
A obra de Edgar Allan Poe inclui uma aventura lunar. De 1835, Uma Aventura sem paralelo de um certo Hans Pfaall (no original The Unparalleled Adventure of One Hans Pfaall) pode ser considerado como um dos exemplos pioneiros de uma narrativa de ficção científica com a Lua por destino. O conto assenta no retrato de uma viagem de um holandês que, a bordo de um balão, chega à Lua em 19 dias. E ali chegado, descreve um mundo agreste e os seus habitantes.
Entre os pioneiros da literatura de ficção científica a ideia de uma viagem à Lua foi destino para vários nomes, entre os quais Júlio Verne. Dele chegou-nos, em 1865, o romance Da Terra à Lua que conta (detalhadamente) a história de dois norte-americanos e um francês que apresenta espantosas semelhanças com alguns factos, nomes e locais que fariam, mais de cem anos depois, as missões da Apollo. Juntos constroem uma cápsula que, projetada por um canhão (grande diferença aqui, é bem verdade), leva uma equipa à Lua. São três os viajantes (como na Apollo), a bordo de uma nave de dimensões não muito distantes das que os astronautas da Nasa conheceram e, coincidência maior, foram lançados para o espaço… na Florida! O livro teve repercussões imediatas no seu tempo e, poucos anos depois de publicado, foi ponto de partida para Le Voyage dans la Lune, uma ópera de Offenbach. Já na alvorada do século XX, Georges Meliés cruzou elementos do livro de Verne com The First Men In The Moon, de H. G Wells, para criar o seu filme.
Ao longo do século XX a literatura de ficção científica voltou muitas vezes ao solo lunar. De Robert A. Heinlein a Isaac Azimov, de Arthur C. Clarke a Ben Bova, de Stephen Baxter a Dan Simmons, muitos foram os autores a dar continuidade a esta aventura.
Uma das mais célebres aventuras lunares em livro chegou, contudo, no espaço da banda desenhada. Criados entre 1950 e 1954, os álbuns Rumo À Lua (1953) e Explorando a Lua (1954) levaram Tintin, Milou e alguns dos seus companheiros de aventuras ao solo lunar. Hergé procurou dar a esta aventura de Tintin um carácter cientificamente verosímil, pensado ao pormenor uma série de detalhes técnicos que pudessem justificar o feito que as páginas acompanham. O foguetão que serve a viagem assemelha-se à V2 alemã, na verdade desenvolvida pelo mesmo Von Braun que, anos depois, chefiaria a equipa que desenvolveu o foguetão Saturno V. A grande diferença com a realidade é o facto de, nesta aventura, o foguetão fazer toda a viagem de ida e volta sem largar parte da sua constituição no espaço. Tal como as últimas missões Apollo, também Tintin levava a bordo do foguetão um carro lunar. Os fatos espaciais são cor de laranja, mas aparentemente mais rígidos do que os usados pelos astronautas. A aventura coloca geograficamente a base de comando no Leste europeu, num país imaginário onde a descoberta de reservas de urânio possibilita o desafio lunar, que se concretiza com a construção de um foguetão e um sistema de propulsão nuclear, ambos criados pelo Prof Girassol. Não falta, como sempre nas aventuras de Tintin, uma trama secundária que garante ação e surpresa a toda a narrativa.
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