Novas vidas para as três sinfonias de Leonard Bernstein
Texto: NUNO GALOPIM
A culpa talvez seja da “maldição” de West Side Story, como o maestro Antonio Pappano explica num magnífico texto que acompanha a edição, pela Warner Classics, de um CD duplo que junta gravações recentes das três sinfonias de Leonard Bernstein. Culpa, refere ele, do facto de estas obras não serem tantas vezes tocadas e de, por isso mesmo, viverem na “sombra” de outras obras suas mais célebres. Pappano acrescenta, nesse mesmo texto, que aqui não encontramos o génio do teatro musical que nos deu a ouvir, precisamente, West Side Story ou Candide: “É apenas o músico, o académico, o filósofo, o crente inseguro da sua fé”. E lembra que o próprio Bernstein chegou a afirmar que as três sinfonias, que compôs entre os anos 40 e 60, representavam “de certa forma uma crise mística” mas que em todas elas o compositor “procurara a redenção”.
Longe de representar, de facto, a face mais popular da sua obra, as três sinfonias de Leonard Bernstein representam um dos espaços através dos quais o compositor expressou mais profundamente não apenas ecos da sua identidade judaica mas também manifestações de uma muito pessoal demanda espiritual.
A Sinfonia Nº 1 – Jeremiah data de 1942. É uma obra intensa que, se por um lado traduzia uma atenção do músico ao contexto de tempo, lugar e vivência cultural que o envolvia (captando na tradição do teatro musical uma marca de identidade da mesma forma como Gerswhin havia assimilado o jazz alguns anos antes), por outro vincava a assombração de alguém que, de ascendência judaica, não deixava de refletir sobre um tempo de perseguição e morte que se vivia, então já em plena II Guerra Mundial.
A Sinfonia Nº 2 (com o subtítulo The Age Of Anxiety) nasceu em finais dos anos 40 na sequência de uma viagem a uma Europa devastada pela guerra e da consciência da real dimensão do holocausto. O seu verdadeiro momento inspirador foi, contudo, a leitura de um extenso poema de W.H. Auden – com o título The Age Of Anxiety: A Barroque Eclogue, vencedor de um Pulitzer em 1948 – que acabaria por representar o “argumento” para uma sinfonia que propõe uma narrativa. Ali se conta a história de quatro solitários que se encontram num bar nova iorquino e da noite que se segue.
A morte de John F. Kenney, poucas semanas antes da estreia da terceira sinfonia de Bernstein levou o compositor a dedicá-la ao amigo e político recentemente desaparecido. A Sinfonia Nº 3 – Kaddish, deve o seu nome a uma oração fúnebre judaica que, todavia, não refere a “morte”. A obra teve estreia em Israel numa versão original na qual Bernstein pedia, especificamente, que a narração fosse feita por uma voz feminina. A sinfonia seria revista em 1977 e uma das alterações fez com que deixasse de haver uma restrição de género neste caso.
Esta edição, que se apresenta fisicamente no formato de CD duplo, inclui as três sinfonias, em interpretações pela Orchestra dell’Academia Nazionale di Santa Cecilia, sob direção de Antonio Pappano, e contando com as participações da mezzo-soprano Marie-Nicole Lemieux (Sinfonia Nº 1), a pianista Beatrice Rana (Sinfonia Nº 2) e ainda as vozes de Nadine Sierra e Josephine Barstow (Sinfonia Nº 3, para cuja interpretação contribuiu também o Coro Visco). Como complemento o alinhamento serve o tempero jazzy de Prelude, Fugue & Riffs, na versão origial para ensemble de jazz, com o clarinetista Alessandro Carbonare como solista.
“Bernstein: The 3 Symphonies”, por Antonio Pappano, a Orchestra dell’Academia Nazionale di Santa Cecilia e solistas, está disponível em 2CD e nas plataformas digitais em edição da Parlophone / Warner Classics.
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