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O desafio de renovar Alix, aos 70 anos…

Texto: NUNO GALOPIM

Surgido pela primeira vez nas páginas da revista “Tintin” em setembro de 1948, Alix chega aos 70 anos com um álbum que apresenta uma nova equipa criativa. Narrativamente recupera uma busca pelo realismo dos contextos históricos e culturais. Mas o desenho podia ser… melhor.

O difícil desafio de animar uma personagem, os contextos em que se apresenta e as figuras que lhe servem de satélite não será certamente coisa fácil quando em cena está alguém que acaba de assinalar os seus 70 anos de vida… Surgido pela primeira vez nas páginas da revista Tintin em 1948, Alix garantia não só a afirmação autoral do seu criador – Jacques Martin – como abria um universo que se revelaria de grande fertilidade em narrativas e personagens no mundo da banda desenhada: Roma e o(s) seu(s) tempos(s)… Moldado com aqueles ingredientes clássicos do jovem herói destemido, justo e firme, honesto e fiel aos seus princípios, Alix foi evoluindo ao longo dos tempos, sobretudo no traço que, ainda com Jacques Martin e, depois, com os desenhadores com quem começou a trabalhar quando a doença o forçou a se afastar progressivamente das pranchas. Nos tempos mais recentes, já após a morte de Martin, as equipas que mantiveram Alix entre os vivos mostraram um afrouxar da atenção para os contextos históricos e culturais, que tinham caracterizado parte da força dos álbuns assinados pelo criador da série. Ao mesmo tempo que Alix envelhecia na série paralela Alix Senator (que nos colocava já na Roma imperial), o jovem Alix continuava a viver aventuras de bravura e inteligência pelos cantos do mundo romano, por vezes num piloto automático que era como aqueles bifes de franchise que, em vez das batatas, desta vez saem com esparregado ou só salada… O sabor mantinha-se. Mas a surpresa, que habitava apenas nas características de cada nova trama narrativa, já se tinha dissipado… Era preciso, de facto, ensaiar um golpe de rins. E nada melhor do que o assinalar dos 70 anos da personagem para ensaiar um recentrar das ideias em caminhos mais capazes de manter o entusiasmo que a juventude lhe devia conferir. “Veni Vidi Vici”, 37º álbum da série principal, apresenta de facto uma nova equipa e coloca em cena ideias diferentes. Mas se ganha num dos desafios, espalha-se no outro… E acabamos com aquela amarga sensação de que valia a pena ter pensado que, ao invés de mudar tudo, a opção ideal teria sido mais uma combinação de esforços, mantendo em cena o que não pedia alterações.

Mas vamos por partes…

A partir do volume 29 da série, o primeiro a não contar já com qualquer contribuição de Jacques Martin (que morreu em 2010, precisamente o mesmo ano em que é lançado “Le Testament de César”, a criação dos álbuns passou por várias mãos e equipas, tendo alguns nomes conhecido ali presença mais recorrente mas mantendo relativamente firme uma forma de traçar figuras e lugares e características semelhantes num perfil narrativo que promovia sobretudo o encontro de tramas de aventura e ação em função dos cenários escolhidos para cada álbum. Para o volume 37 entraram novos nomes em cena. Na escrita surge David B, um apaixonado pela História, e, na criação das imagens, encontramos Giorgio Albertini, ilustrador habituado a trabalhar com arqueólogos e autor da série “Chronosquad”).

O trabalho de escrita é notável, procurando cruzar as personagens e as tramas de ficção com contextos históricos com um realismo que deixaria Jacques Martin certamente satisfeito. A ação leva-nos à Ásia Menor, no ano 46 a.C., ainda sob a memória recente da morte de Pompeu (e o respetivo efeito junto dos seus partidários). A narrativa justifica a presença de Alix na região numa missão de recolha de livros para uma nova biblioteca em Roma. E junta não só uma condimentação mais subversiva no seu amigo Enak como lança ambos numa trama de conspirações e perigos que envolve o eterno rival Arbacés. Até aqui tudo certo, com aquela que talvez seja a história mais bem vitaminada de um álbum de Alix em muitos anos…

Mas… Pois… Há um mas… É que, se por um lado o traço de Albertini é cuidado na criação dos cenários, revela-se contudo o elo mais fraco desta renovação no modo como por vezes simplifica o traço de feições e fragilidades que revela quando por vezes a noção de movimento não surge da melhor maneira no desenho (vejam o Arbacés da página 9 se o livro vos passar pelas mãos para visualizar a ideia). Não seria melhor ideia ter uma equipa de desenhadores, com Albertino nos cenários, mantendo os mais recentes colaboradores Marc Jailloux ou Marco Venenzi nas personagens?…

Se o cuidado no rigor é maior, optando a própria contracapa por explicar o contexto em vez de enumerar a habitual lista de volumes anteriores, que se melhore agora o traço… Se assim for Alix continuará, aos 70 anos, a ser um jovem.

“Veni Vidi Vici”, de David B. e G. Albertini, é um livro de 48 páginas em capa dura, numa edição da Casterman (em língua francesa).

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