Obras de Steve Reich com nova vida em vinil
Texto: NUNO GALOPIM
Depois de ter cabido à Deutsche Grammophon, há dois anos, o iniciar de uma agenda de reedições em vinil de gravações históricas de Steve Reich com o lançamento da caixa tripla originalmente editada em 1974 e que tinha “Drumming” como peça principal, eis que vemos agora a Nonesuch a arregaçar as mangas, devolvendo às lojas de discos, mas nas prateleiras das “novidades” o LP de 1989 que juntava “Different Trains” e “Electric Counterpoint”. Ambas as peças são obras de absoluta referência, revelando cada qual frentes de trabalho que tiveram ampla repercussão em outras composições de Steve Reich.
“Different Trains” é talvez a primeira obra “política” de Steve Reich (considerando por isso “Tehillim” como sendo, essencialmente, eco de uma expressão identitária). Mas uma carga pessoal passa igualmente por aqui. E é autobiográfica. Filho de pais separados, um vivendo em cada face da costa americana, Steve Reich correu várias vezes o país de comboio. E, nascido em 1936, reconheceu que, enquanto ele cumpria aquelas viagens, outros, da sua idade, e também de famílias judaicas, estariam em comboios diferentes, rumo aos campos de concentração do regime nazi. “Different Train” parte dessa memória para, recorrendo a gravações de vozes, não só para com elas tecer uma narrativa mas também nelas encontrar linhas de melodia que outros instrumentos depois assimilam e tornam suas. Estamos por isso num terreno distinto do que explorara a voz como material para manipular através de fitas como acontecera em “Come Out” ou “It’s Gonna Rain”. “Different Trains” abre assim um universo de trabalho que Steve Reich voltaria a explorar em obras como “The Cave”, “City Life” ou “WTC 9/11”, esta última voltando a cruzar os universos da música com o dos factos reais do seu tempo de vida, apontando ali azimutes a memórias do 11 de setembro de 2001.
“Electric Counterpoint” não representa exatamente a primeira expressão de uma ideia mas corresponde à primeira obra de Steve Reich pensada sob o modelo a que chamou “counterpoint” a chegar a disco. Sucessora de peças como “Vermont Counterpoint” ou “New York Counterpoint”, “Electric Counterpoint” é uma obra para um instrumento (ou vários, desde que iguais) que pode ser interpretada ao vivo com um instrumentista acompanhado por pistas pré-gravadas com as restantes linhas ou por um ensemble que, ao vivo, executa todas as partes. O instrumento em cena aqui é a guitarra elétrica, ora entregue a momentos de exploração de melodias ora invadida por texturas claramente nascidas da herança daquele importante momento de “eureka” encontrado em “Music For 18 Musicians”. A obra tornou-se peça frequentemente citada e reinterpretada, não só por guitarristas do universo da música erudita mas sobretudo por nomes ligados à música popular. Há versões gravadas pelos Royksopp ou Johnny Greenwood (dos Radiohead). E samples usados como, por exemplo, em “Little Fluffy Clouds” dos The Orb.
Dois nomes de vulto asseguraram neste LP, editado em 1989, as primeiras gravações de ambas as obras, surgindo aqui “Different Trains” em intreprtetação do Kronos Quartet e “Electric Counterpoint” por Pat Metheney.
“Different Trains”/ “Electric Counterpoint”, de Steve Reich, com o Kronos Quartet e Pat Metheney, está novamente disponível em LP, numa edição da Nonesuch.
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