Um retrato pessoal na estreia de Joni Mitchell em 1968
Texto: NUNO GALOPIM
Joni Mitchell tinha 23 anos quando, num serão de 1967, David Crosby (que recentemente se afastara dos Byrds) a vê a cantar num café na Florida. Joni Mitchell tinha ainda discos em seu nome, mas vira já canções suas serem gravadas por nomes como os de Buffy Sainte-Marie ou George Hamilton IV. Por essas e outras das canções que então apresentava nas suas atuações passavam já ecos de uma vida invulgarmente cheia de acontecimentos para alguém da sua idade. Sobrevivente de um surto de poliomielite nos dias de infância, encontrara cedo na música um espaço de expressão de identidade e comunicação, começando a fazer primeiras atuações no Canadá (de onde é natural) por volta de 1964. Em apenas três anos passara por um casamento falhado (e uma primeira parceria musical igualmente frustrante) e tivera uma filha que, por impossibilidade de a criar, deu para adoção (situação que durante anos a fio não foi conhecida apesar de a ela ter aludido, por exemplo, em “Little Green”, canção que acabaria por gravar no álbum “Blue”).
Um acordo assinado com a editora Reprise levaria finalmente Joni Mitchell a estúdio em finais de 1967. As sessões tiveram lugar nos estúdios Sunset Sound, em Los Angeles, sob a produção de David Crosby que procurou encarar a presença da voz e da guitarra da cantora com o maior sentido de realismo possível. Sem efeitos nem as visões mais complexas de arranjos então em voga. Praticamente sem contribuição de outros músicos (Stephen Stills está creditado com o baixo em “Night In The City”), o disco vive sobretudo da relação da voz de Joni Mitchell com a guitarra e o piano que ela mesma toca. O esforço de David Crosby para garantir o maior sentido de verdade à captação do som não teve contudo os resultados desejados em função do número adicional de microfones usado e do modo como foram dispostos, gerando um ruído de fundo (aquele silvar a que se chama “hiss” em língua inglesa) que acabaria por ter presença maior na mistura.
Ecos da sua vida passam pelas canções que são arrumadas no alinhamento numa sequência que define uma narrativa. A da ida para a cidade na face A. E a da saída da cidade, rumando à praia, no lado B. Mas entre todas elas passam ecos de acontecimentos ou sensações reais. Como em “I Had A King”, que abre o alinhamento, e fala claramente do casamento e divórcio com seu parceiro Chuck Mitchell ou em “Marcie” na qual usa a personagem de uma rapariga que serve à mesa em Londres para, na verdade, falar sobre si mesma”. Temas clássicos como “Night In The City”, “Cactus Tree” ou a sua leitura de “Song To The Seagull” integram um alinhamento que capta um retrato fiel de uma narrativa de vida e de um relacionamento entretanto talhado com os circuitos da folk americana. DE resto seria por esses caminhos que a música de Joni Mitchell seguira nos anos seguintes. Aqui, todavia, num álbum – com capa desenhada pela própria Joni Mitchell – que não conheceu mediatismo maior quando chegou às lojas em março de 1968. O tempo dar-lhe ia outra (e merecida) atenção.
“Song To The Seagull”, de Joni Mitchell teve edição original pela Reprise em 1968. A produção coube a David Crosby.
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