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Cinquenta anos depois o “álbum branco” revela segredos da sua história

Texto: NUNO GALOPIM

A 22 de novembro de 1968 chegava às lojas um álbum que tinha por título “The Beatles” mas ao qual todos se habituaram a referir como o “álbum branco”. Teve uma génese difícil que mostrou sinais de divisão dentro do grupo que ganhariam ainda mais intensidade no ano seguinte. O disco revelou, contudo, uma banda no auge da sua criatividade e 50 anos depois abrem-se novas janelas sobre a sua história.

Num dos textos que acompanham a edição especial do 50º aniversário do “álbum branco” Giles Martin, filho do mítico produtor que acompanhou os Beatles em quase todas as suas gravações, defende que a morte de Brian Epstein, em agosto de 1967, terá sido o primeiro gatilho para que um disco como este pudesse ter surgido pouco mais de um ano depois. O desaparecimento trágico do manager que os acompanhara até aí tirava de cena aquela que tinha sido a principal força agregadora e diplomática entre o grupo. A sua ausência colocava, contudo, pela frente dos quatro músicos um vasto leque de possibilidades… E com uma outra forma de gerir a sua agenda, entendendo a presença em estúdio sob novas regras e horários, o ano de 1968 viu nascer um álbum que, ao invés dos anteriores, não nascera sob cuidada planificação. A palavra de ordem era, agora, e apenas, a criatividade.

Há um antes a ter aqui em conta. Um antes face à entrada dos Beatles em estúdio para sessões que decorreriam entre finais de maio e meados de outubro. Em inícios de 1968, e depois de terem registado algumas canções em estúdio – dali nasceriam o single “Lady Madonna” (com o belíssimo “The Inner Light” no lado B) – rumaram à Índia para ali fazer um retiro durante o qual praticaram meditação transcendental e dedicaram tempo a compor em separado. John foi o mais prolífico, regressando com 15 novas canções na bagagem. Paul trouxe sete. E George, seis… E antes de rumarem a Abbey Road (que não seria o único estúdio a servir a gravação do “álbum branco”) passaram um dia inteiro no estúdio que este último tinha já em sua casa, em Esher. Nasceu aí um corpo de maquetes acústicas nas quais figurava já a maioria dos temas que depois gravaram em estúdio, incluindo ainda o lote outras canções que seriam deixadas para mais tarde, quer pelos Beatles ou já em discos a solo. É esse corpo de maquetes que, sob o título “Esher Demos” representa uma das surpresas maiores do conjunto de reedições que, agora, assinalam os 50 anos do “álbum branco”. O conjunto de maquetes, material de trabalho para uso exclusivo de um círculo fechado muito próximo dos Beatles, mostra as canções na sua forma primordial, umas já com uma estrutura próxima da que surgiria em disco, outras mostrando como o novo modo de trabalhar em estúdio permitiu depois encontrar caminhos a explorar para lá destas linhas que eram pontos de partida.

A história das próprias sessões de gravação, que colocaram os Beatles perante algumas novas presenças em frente às consolas de gravação – entre elas as dos então muito jovens Chris Thomas e Ken Scott (este último, cinco anos depois, seria o produtor de “Ziggy Stardust” de Bowie), estão por sua vez documentadas num volume expressivo de takes alternativos que surgem na edição mais completa do conjunto agora apresentado. Por elas sente-se o processo de criação a ganhar vida pelos novos métodos de trabalho que, entre outros objetivos, procuravam captar uma noção de vibração de banda a tocar em conjunto, por oposição à fragmentação de elementos compostos dos discos imediatamente anteriores. Das maquetes e das sessões mostra-se que, mesmo havendo já primeiros sinais de divisão, estava ali uma banda ainda coesa e entusiasmada a trabalhar.

O volume de cações que tinham trazido da Índia, mais algumas que depois emergiram em estúdio, fizeram deste um disco mais extenso do que qualquer outro na obra dos Beatles. O “álbum branco” é também um retrato da enorme amplitude de gostos e visões que corriam entre os quatro Beatles e os colaboradores que chamaram a estúdio, entre os quais estão nomes como os de Eric Clapton, o saxofonista de jazz Harry Klein, Jackie Lomax ou Yoko Ono. Entre a diversidade de rotas e destinos pelos quais passam as influências e heranças destas canções nota-se um evidente recentrar de atenções em espaços mais primordiais do rock’n’roll. Nada mais aí senão ecos de uma ressaca às cores e experiências que, induzidas pelas vivências da cultura psicadélica, tinham contaminado a obra dos Beatles desde 1966 (com particular presença em 1967).

Meio século depois reencontramos o “álbum branco” não apenas com os extras das maquetes acústicas e de momentos das sessões em estúdio mas também através de um exercício de remistura por Giles Martin (que fizera já semelhante operação sobre a reedição que assinalara os 50 anos de “Sgt. Pepper’s” em 2017). É um exercício interessante, que abre pontos de vista alternativos sobre as canções. Mas ao invés das maquetes e das sessões de estúdio, este acaba por ser o elo menos interessante de um lote de lançamentos que nos recorda como está ali não apenas um dos melhores discos dos Beatles mas um momento de relevância maior na história da música. E basta dizer o nome de algumas canções para que, imediatamente, o som ressoe nas nossas mentes: “Back in the U.S.S.R.”, “Dear Prudence”, “While My Guitar Gently Weeps”, “Blackbird”, “Helter Skelter, “Happiness Is a Warm Gun”, “Ob-La-Di, Ob-La-Da”… Parece um ‘best of’… Mas é “apenas” o “álbum branco”…



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