O regresso (finalmente) de um clássico dos oitentas
Texto: NUNO GALOPIM
Contemporâneos do momento em que os New Order e os Dead or Alive encontravam pontes de diálogo entre a canção pop e as formas de música de dança e antecessores das visões igualmente marcantes dos Pet Shop Boys na integração de elementos hi-nrg e outras heranças do disco na canção pop dos anos 80, os Bronski Beat são hoje, estranhamente, um nome quase esquecido, facto que não será estranho, entre outras causas, às medíocres contribuições que as diversas encarnações posteriores à original têm acrescentado à obra do grupo no qual o único elemento fundador ainda hoje presente é Steve Bronski. Sim, os Bronski Beat estão ativos e ainda este ano editaram uma dispensável (mas inconsequente) nova abordagem ao seu disco de estreia à qual chamaram “The Age of Reason”.
O relativo silêncio a que estão hoje votados os seus discos da etapa inicial (1984/85) é destino injusto para, sobretudo, o primeiro álbum da banda que, lançado em 1984 (e agora reeditado), merece morar entre a lista dos grandes momentos pop dos oitentas. E por várias razões. Se ainda hoje sinais de homofobia cruzam os noticiários e relatos de comportamentos de todos os dias, imaginemos então como seria o cenário em 1984. E quando, em junho desse ano, uma banda nova entra em cena ao som de “Smalltown Boy”, um single que canta, sob matriz hi-nrg e uma irresistível composição pop, uma história de discriminação e alienação sem medo de tratar os factos e sentimentos pelos nomes, ficou logo claro que os Bronski Beat estavam a fazer a diferença. O single que, tal como o sucessor (e igualmente claro na sua agenda temática) “Why?” transformaram-se em êxitos pop, alcançando posições de destaque nas tabelas de vendas de vários países e fizeram do trio britânico um dos “casos” do ano.
Cedo ficou, todavia, claro que a ideia do grupo não se esgotava numa postura ativista, aliando a toda uma marcante ação política uma visão musical que promoveu o que então eram ainda pouco frequentes expressões de visibilidade pop para formas e sons que respiravam sobretudo na cultura da noite. A voz em falsete de Jimmy Sommerville (que dividiu opiniões), o recurso às eletrónicas como ferramentas de trabalho, uma produção atenta a uma necessidade de manter vivo o viço das estruturas rítmicas e uma mão cheia de belíssimas canções pop completam os ingredientes de The Age Of Consent. O álbum incluia, além dos dois singles acima citados, uma versão de “It Ain’t Necessairly So” de Gershwin e uma outra de “I Feel Love” de Donna Summer, momentos que expandem os horizontes de um alinhamento de vistas largas onde cabem ainda episódios dignos de um reencontro como “Need A Man Blues”, “Heatwave” ou o retrato sobre a cultura normalizadora na idade do grande consumo que escutamos em “Junk”.
A nova reedição junta ao alinhamento original do disco e às versões longas dos quatro singles dele extraídos uma série de preciosidades que nos dão sobretudo a conhecer os passos que a música dos Bronski Beat tomava antes de se terem juntado em estúdio com o produtor Mike Thorne. Entre sessões para a BBC e uma série de maquetes fica claro como o trabalho em estúdio não só ajudou as canções a encontrar caminhos mais certeiros como a definir uma linguagem rítmica de maior viço e um labor com eletrónicas mais rico e atualizado. As maquetes instrumentais “Up and Down” e “Ultra Chrome” (esta já apta para ser levada a disco) revelam inéditos que ficaram pelo caminho, tal como sucedeu com “The Other Side of The Tracks”, canção que revela uma fase em que o registo vocal de Jimmy Sommerville ainda não optara pelo caminho que tomaria quando o grupo começou a editar discos.
O CD com extras inclui ainda uma “rough mix” da versão de “I Feel Love” partilhada com Marc Almond e uma gravação ao vivo de “Why?”. Decididamente menos interessante é uma abordagem para voz de piano, de “Smalltown Boy” gravada em 2014. A reedição peca apenas por gastar espaço com três remisturas recentes dos dois primeiros singles. O retrato desta etapa ficaria mais bem servido com os lados B dos singles desta etapa nos quais estão canções como “Memories”, “Cadillac Car”, “Close to The Edge” ou “Puit d’Amour”… Mesmo assim surge finalmente uma reedição digna para um grande álbum da pop dos anos 80.
Tensões internas levaram ao afastamento de Jimmy Sommerville em 1985, que então partiu para formar os Communards, optando mais tarde por uma carreira a solo. Steve Bronski mantém ativos os Bronksi Beat pelos quais passou já uma sucessão de vocalistas. Larry Steinbachek morreu em 2016, com 56 anos.
“The Age of Consent (Remastered Expanded Edition)”, dos Bronski Beat, está disponível em 2CD e nas plataformas digitais em edição da London Records. O booklet inclui textos de Jimmy Somerville, Mike Thorne e Paul Flynn. Uma nova edição em vinil está também disponível.
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