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Como a música pode despertar as imagens

Texto: NUNO GALOPIM

Uma nova gravação da “Grande Messe des Morts” de Berlioz convoca memórias não apenas do filme “A Árvore da Vida” de Terrence Malick, mas também outras edições recentes com abordagens distintas a esta mesma obra originalmente estreada em 1873.

É assombrosa a força das imagens. E hoje é-nos talvez difícil escutar o “Danúbio Azul” de Johann Strauss sem pensar em “2001: Odisseia no Espaço de Kubrick”, a “Cavalgada das Valquírias” de Wagner sem lembrar a “carga” aérea em “Apocalypse Now” de Coppola ou o adagietto da “Sinfonia Nº 5” de Mahler sem evocar a adaptação de “Morte em Veneza” por Visconti. Poderia acrescentar o “Alina”, de Arvo Pärt, perante as imagens do “Gerry” de Gus Van Sant. E hoje, uma vez mais ao escutar a “Grande Messe des Morts” (muitas vezes referida simplesmente como o “Requiem”) de Hector Berlioz (1803-1869), não escapo a duas sequências de “A Árvore da Vida”, de Terrence Malick, em particular aquele reencontro vivido na praia, perto do final, ao som de parte do “Agnus Dei”.

Como o filme de Malick, esta obra de Hector Berlioz é também ela uma reflexão sobre a fé que se socorre de uma visão maior da sua arte para atingir um patamar invulgar de grandiosidade, emotividade e, podemos acrescentar, excelência. Originalmente encomendada para um serviço religioso em memória de um general morto numa tentativa de assassinato ao rei francês Luis Filipe em 1837, a grande missa pelos mortos recuperou elementos de obras que Berlioz deixara inacabadas por estrear – como a “Missa Solene”, a oratória “Le Dernier Jour du Monde” ou a “Fête Musicale Funèbre a la Mémoire des Hommes Ilustres de La France” – e usa recursos instrumentais e humanos de grande escala, procurando um efeito dramático maior, na verdade arrebatador. A ocasião para a qual a missa fora encomendada acabou cancelada, mas uma oportunidade de estreia chegou pouco depois, numa outra cerimónia em memória de outro militar, então morto em campanha no Norte de África. E hoje é episódio com características quase míticas o momento em que pela primeira vez esta música ganhou corpo e som, a 5 de dezembro desse mesmo 1837 na Igreja dos Inválidos, em Paris.

Naturalmente a música existe sem a ligação ao filme de Terrence Malick. Esta é uma associação pessoal. Como tantas outras que todos nós fazemos em relação a todas as músicas que escutamos, relacionando as memórias de cada uma com vivências, momentos ou imagens.

Mas na hora do lançamento de mais uma gravação, a ativação das imagens torna-se novamente inevitável. Talvez não seja esta gravação, pela Bergen Philharmonic Orchestra, dirigida por Edward Gardner, a mais arrebatadora das que antes já escutei. E aqui vale a pena regressar, por contraste, à abordagem com outro dramatismo que fez Colin Davis quando gravou esta mesma obra com a London Symphony Orchestra. Com a participação do tenor Barry Banks, essa outra “Grande Messe des Morts” encerrava em o ciclo de gravações em torno de Berlioz, apresentando o registo captado numa atuação ao vivo na londrina St. Paul’s Cathedral (e tomando o melhor partido possível das suas potencialidades acústicas, de certa forma recuperando a sugestão do ambiente em que a obra foi originalmente estreada). Em 2012, ou seja, um ano antes da versão dirigida por Sir Colin Davis, esta mesma “Grande Messe des Morts” foi escolhida por Paul McCreesh (uma das maiores autoridades do nosso tempo nos espaços da música coral) para assinalar o lançamento da sua própria editora discográfica. Gravada na igreja de Maria Madalena, em Wroclaw (Breslávia), em setembro de 2010, esta outra gravação escuta a grandiosidade vulcânica da visão de Berlioz com a delicadeza das linhas que McCreesh tão bem comanda. Cada um agora escolha a visão de que mais gostar…



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