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Os melhores discos de 2018 (nº 1)

Entre os discos que, nos mais diversos formatos, foram surgindo ao longo do ano, aqui ficam dez exemplos que nos chamaram a atenção em 2018. Aqui os vamos revelar um a um, em contagem crescente.

1. “El Mal Querer”, de Rosalía
(Columbia)

Pode o flamenco ser ponto de partida para um dos melhores discos de canções pop que vamos ouvir este ano? Pode sim… E a resposta chega com “El Mal Querer”, segundo álbum de Rosalía pelo qual passam sinais de um discurso de identidade que traduz o que é viver na aurora do século XXI. “El Mal Querer”, que propõe uma experiência concetual (cada canção corresponde a um episódio de uma narrativa ordenada), revela uma visão atual e desafiante sobre o flamenco. E tanto mantém marcas da sua genética tradicional – sobretudo no canto, na guitarra e do desenhar da estrutura rítmica pelas palmas – como junta modos de compor, de usar eletrónicas (como recurso instrumental ou de manipulação) ou até mesmo a presença pontual de uma orquestra para procurar os diálogos entre tradição e modernidade, entre o flamenco e a canção pop dos quais emerge um álbum que dificilmente escapará às listas dos melhores do ano. É um disco intenso, capaz de convocar toda a carga emotiva que habita o flamenco para a projetar num espaço que, sem apagar essas marcas de origem, as projeta entre sonoridades e formas que estão na linha da frente da música do nosso tempo. – Nuno Galopim

2. “Mundu Nôbo”, de Dino d’Santiago
(Batuko Records)

O que define o novo som de Lisboa? Não esquece os ecos da memória nem da geografia, mas foca sobretudo aqueles que aqui hoje estão, as suas experiências e vivências. E há um disco novo que traduz bem esta ideia. Está carregado de pistas que passam também por outros lugares mas sugere, afinal, o que somos aqui e agora. “Mundu Nôbo”, de Dino d’Santiago, é um impressionante espaço de revelações já que, de pistas com ecos de memória acabam sempre por emergir sensações do presente, moldadas por um processo que optou por subtrair até achar a essência das coisas e, depois, para elas olhar sob um ponto de vista sem barreiras, sem fronteiras. Um ponto de vista de hoje. Resta acrescentar que ao magnífico lote de composições, aos sabores e experiências aqui convocados, à voz segura e emotiva de Dino d’Santiago e ao labor eletrónico de primeira água se junta um trabalho de produção que, pelas qualidades do som, permite arrumar todas estas ideias com clareza, pujança e solidez. – N.G.

3. “Dirty Computer”, Janelle Monáe
(Warner Music)

Depois de experiências recentes no cinema e televisão e de colaborações com nomes como os Duran Duran ou Grimes, Janelle Monáe apresentou em “Dirty Computer” um novo ciclo de canções nas quais vincou marcas de identidade e do tempo em que vivemos. A América do presente e questões do foro identitário desenham por isso a medula temática de um disco atual e incisivo. Se “The ArchAndroid” foi uma revelação, “Dirty Computer” junta agora à obra de Janelle Monáe um sólido novo conjunto de canções que poderão somar argumentos aos que em si encontram um daqueles raros casos de figuras que tanto cativam atenções em esferas mais alternativas como podem alcançar o coração do grande circuito mainstream. Não se junte, contudo, o termo “cedência” aos que definem este jogo. E basta ver o filme “emocional” que acompanha este disco para que fique claro que, no fim, é de expressão de identidade que aqui se fala. – N.G.

4. “Everything Is Recorded by Richard Russell”, Everything Is Recorded
(XL Recordings)

Richard Russell passou um mau bocado recentemente. Hospitalizado, recebeu então de Geoff Barrow (dos Portishead) um pequeno teclado, com o qual foi ocupando os seus dias… Recuperado, mostra agora em disco os primeiros ecos de uma outra relação sua com a música: a de criador. “Everything Is Recorded by Richard Russell” não é mais do que o primeiro álbum do editor da XL Recordings, revelando um conjunto de temas que ganham forma através da colaboração de um elenco de figuras de relevo no panorama atual, demonstrando clara expressão de um gosto pelos caminhos do r&b mais contemporâneo e seus arredores. Com colaboradores que vão de Sampha às Ibeyi, de Green Gartside (dos Scritti Politti) a Owen Pallet ou Peter Gabriel, o projeto representa, assim, uma espécie de This Mortal Coil (a banda criada pelo patrão da 4AD nos oitentas) talhados ao gosto de Richard Russell e afinado a demandas (temáticas e musicais) que fazem sentido nos tempos que correm. – N.G.

5. Sevdaliza “The Calling”
(Twisted Elegance)

Com ascendência iraniana (apesar de ser holandesa) e uma voz com personalidade que se demarca, apesar de afinidades eventuais com terrenos R&B, das linhas mais em voga no canto do presente, Sevdaliza tinha já revelado em “ISON” (2017) que era figura e ter em conta na linha da frente de uma nova geração de estetas da canção pop, procurando novas formas no cruzamento de linguagens e ferramentas. Um ano depois “The Calling” (um EP com sete faias e 30 minutos de música, ou seja, quase um LP) partiu das mesmas coordenadas para alcançar um patamar ainda mais trabalhado das mesmas ideias. Uma vez mais fica clara a importância da demanda pelo som (das eletrónicas à clareza das cordas), afinal aqui tão determinante na criação da canção quanto a própria composição e performance vocal. – N.G.

6. “Never Let Me Down 2018”, David Bowie
(Parlophone)

Um dos álbuns mais subvalorizados da obra de David Bowie foi este ano integralmente recriado pelos seus colaboradores, das suas entrelinhas brotando canções que os arranjos e as soluções de produção tomados em 1987 então haviam impedido de alcançar uma visão mais cativante que, afinal, ali estava escondida… Seguindo pistas que, ao longo dos anos, David Bowie tinha deixado entre conversas e entrevistas, o álbum “Never Let Me Down”, na sua visão regravada em 2018, mostra sinais de um retomar de linhas deixadas por volta de “Scary Monsters”, antecipando ideias que adivinhavam a eloquência das canções na etapa “veterana” encetada em “hours” e que conheceu depois igualmente expressão no disco de “regresso” de 2013 “The Next Day”. A nova abordagem modificou profundamente o registo de percussão (com a sua assinatura característica da época) e juntou, entre novos elementos, a presença de arranjos de cordas assinados por Nico Muhly. E de um álbum (aparentemente) menor de 1987 emergiu uma das melhores surpresas entre os vários lançamentos de Bowie após o seu desaparecimento. – N.G.

7. “They are the Shield”, Toby Driver
(Blood Music)

Para os desprevenidos, “They are the shield” teve o impacto do OVNI: apareceu a brilhar vindo sem se saber bem de onde. Toby Driver tem um percurso em circuitos menos mainstream tanto a solo como nas várias bandas em que tem participado mas, neste seu segundo algum a solo o músico consolida uma identidade original e única que merece um público mais alargado. É um disco desafiante, na fronteira entre a música erudita, a pop e o jazz, entre o ocidental e o oriental, entre o contemporâneo e o medieval. Com um trabalho notável tanto a nível melódico como de arranjos, não se preocupa com o formato standard da canção e deixa-as respirar e durar o que tiver de ser. Podemos enquadrá-lo talvez entre Owen Pallett e Andrew Bird, Piano Magic e Dead can Dance mas na verdade é um disco de uma coesão e personalidade única, um clássico instantâneo que existe tão fora do tempo como um “Spririt of Eden” dos Talk Talk e a que regressaremos vezes sem conta. Hipnotizante, mágico, intoxicante… é para descobrir e ouvir para sempre. – Daniel Barradas

8. “Make Way for Love”, Marlon Williams
(Dead Oceans)

A preparação é relativamente simples: parte-se um coração de um jovem músico – resultado do término da relação que Marlon Williams com a também cantora Aldous Harding. Junta-se uma boa mão de country e crooning, outra de rock, umas pitadas de pop aqui e ali. Resta apenas temperar com doses muito generosas de tristeza e de outros sentimentos relacionados q.b. e está feito. E não, esta não é mais uma receita banal: as onze canções “Make Way for Love”, segundo longa duração do neozelandês, expandem-se musicalmente, recriando entretanto as várias dimensões sentimentais de um episódio de separação. De congregar influências e de as recolocar no prisma da experiência individual. E com o engenho de tudo não parecer a mesma coisa. Sem vergonhas: degustar os grandes sentimentos. Mesmo aqueles muito amargos. – Gonçalo Cota

9. “I’m All Ears”, Let’s Eat Grandma
(Transgressive)

Em I’m All Ears, a paisagem musical das Let’s Eat Grandma, duas amigas britânicas ainda nem com vinte anos, não é senão requinte e inovação. Art pop torrencialmente luminosa e radioativa, inflamada por elementos de vanguarda, parafernália futurista de sintetizadores e guitarras equilibrados na voz doce, vulnerável para criar um clima de muitas atmosferas: se na sua primeira parte escutamos uma sonoplastia de essência sónica e electrónica (e aqui SOPHIE emprega, com mestria, a sua capacidade de desafiar a canção), o estoicismo e as canções demoradas, amenas da segunda parte fazem deste segunda duração um verdadeiro caleidoscópio de sonoridades. I’m All Ears é um brilhante lugar de conforto para as ideias de emancipação e identidade, preocupações comuns de duas adolescentes, reconfigurando (à sua maneira) ideias de equilíbrio e unidade. – G. C.

10. “American Utopia”, David Byrne
(Nonesuch)

O álbum que David Byrne apresentou este ano é parte de um projeto multimédia maior (sob o título “Reasons To Be Cheerful”) que visa comunicar valores e vibrações positivas num tempo em que sobras nos atormentam. E Byrne não esconde que, pelos EUA, são particularmente densas… Pelas canções de “American Utopia” passam ecos dessas constatações, assim como reflexões na forma de pequenas ficções. Mas, como sempre nos discos de David Byrne, é na construção musical que residem os melhores sabores. E aí, as marcas de identidade autoral – que estabelecem naturais afinidades entre as novas canções e memórias de discos anteriores – aceitam a convivência com outras vivências e contágios. E muitas das novidades partem das colaborações em jogo, que vão de Brian Eno (que co-assina grande parte dos temas e produção) a Daniel Lopatin (que sublinha, juntamente com Eno, tonalidades eletrónicas) ou Sampha… Desses jogos nascem canções com sabor a familiar e novidade ao mesmo tempo. O disco depois foi ponto de partida para uma nova digressão que passou por nós – N.G.

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