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Memórias que atravessam a música de Valentin Silvestrov

Texto: NUNO GALOPIM

Do compositor ucraniano Valentin Silvestrov chegam gravações de peças para piano voz e orquestra de câmara entre as quais se cruzam memórias que recuam aos tempos de grandes mestres do romantismo. Disco editado em dezembro de 2018, para ouvir neste início de ano novo.

O catálogo da editora ECM tem assegurado a principal via de comunicação para obras de um dos nomes de referência entre os compositores contemporâneos vivos: o ucraniano Valentin Silvestrov (n. 1937). É de facto ali que tem lançado, nos últimos anos, alguns dos mais interessantes títulos da editora alemã. Depois da algo mahleriana “Sinfonia Nº 6” (editada em 2007) e da espantosa colecção de pequenas peças para piano que em 2008 lançou sob o título “Bagatellen und Serenaden”, o seu percurso na ECM juntou ainda entre os últimos anos títulos como “Sacred Works”, disco que apresenta seis obras de música coral sacra, nas vozes do Kiev Chamber Choir, dirigido por Mykola Hobdych e, ainda em 2017, “Hieroglyphen Der Nacht”, um conjunto de peças para um ou dois violoncelos, com interpretações pela alemã Anja Lechner e a francesa Agnès Vesterman. Se entre estes lançamentos pela ECM têm surgido alguns dos discos mais sonantes entre os que têm fixado gravações da obra de Silvestrov, há contudo que ter em conta outras fontes de acontecimentos, que tanto passam pela sua página pessoal no Bandcamp (ver aqui) ou por propostas de outras editoras como é o caso de um disco apresentando pela Brilliant Classics ainda na reta final de 2018 e que junta uma coleção de belíssimas obras para piano, voz e orquestra de câmara.

Voz rebelde no contexto da URSS musical dos anos 70 e 80, Valentin Silvestrov seguia por esses dias caminhos mais próximos da vanguarda ocidental europeia (em clara oposição ao realismo soviético favorecido pelo regime). Hoje, contudo, segue por trilhos consideravelmente distantes das vanguardas que nesses dias perseguia, juntando-se por um lado a nomes como, entre outros Arvo Part ou Giya Kanchelli, em busca de respostas num reencontro com certas tradições da música religiosa, por outro procurando influências entre o sentido lírico e narrativo de grandes figuras do romantismo como Schubert, Chopin ou Schumann. A força da memória,

E é sobretudo por estes últimos terrenos (pelos vistos ainda férteis) que chegam ao presente os ecos de memórias que brotam entre o conjunto de peças aqui gravadas, algumas delas em estreia como é o caso do ciclo de canções “Moments of Poetry and Music”, criado sobre uma tradução para russo de um texto de Paul Celan. O disco resultou de uma gravação ao vivo em Bruxelas com um velho amigo do compositor, Alexei Lubimov, como solista ao piano, contando com a presença do Ensemble Musiques Nouvelles sob direção de Jean-Paul Dessy.

“Silvestrov: Touching The Memory” inclui obras de Valentin Silvestrov para piano, voz e orquestra de câmara, em interpretações de Alexei Lubimov (piano), com o Ensemble Musiques Nouvelles sob direção de Jean-Paul Dessy. O disco está disponível em CD e nas plataformas digitais numa edição da Brilliant Classics.

Quem tiver gostado da descoberta de Valentin Silvestrov pode continuar a viagem de boas surpresas reencontrando um disco com afinidades com o trabalho sobre memórias que habita as peças reunidas nestas gravações agora lançadas pela Brilliant Classics. Já o referi acima… Trata-se de “Bagatellen und Serenaden” (ECM, 2007). A ideia por detrás deste disco foi do próprio Manfred Eicher (o “patrão” da ECM), que há muito tinha a vontade de criar um documento de Silvestrov como pianista. A sua obra para piano remonta a meados dos anos 50, desde então tendo o compositor criado uma série de pequenas peças, muitas delas miniaturas que acabou por nunca registar no papel, um pouco como algumas das criações de Schubert que tocava, ao piano, entre amigos, noite fora. Este conjunto de peças (que por vezes, de facto, evocam Schubert) resultam de ímpetos de criação melodista ditados por pequenas inspirações do momento.

São momentos musicais, discretos, diretos e, a uma primeira audição, de aparente simplicidade. Momentos que os dedos transformam em música nas teclas de um piano. São 14 autógrafos (na verdade 13, um deles com uma variação) de um compositor que, ele mesmo ao piano, nos dá evidenciando a sua interpretação suave, com um toque de delicadeza superlativo. Bagatelas que, como o próprio Silvestrov descreve, são “sublimes insignificâncias”, ali captadas em sessões de gravação que decorreram sempre de manhã, bem cedo, ou ao fim da tarde. A segunda metade do disco reúne uma série de peças orquestrais mais recentes, que vincam a puslão dramática mahleriana que já se escutara em outras obras de Silvestrov. Entre as peças destaca-se “Zwei Dialogue mit Klavier” (de 2001), dedicatória de Silvestrov ao seu amigo Arvo Pärt. E o assombroso “Der Bote” (1996), um percurso pelos afluentes do silêncio que lembra, se bem que sob linguagem Silvestrov (para piano e orquestra), o Pärt mais minimalista e discreto de “Alina”.

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