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Revisitar Stanley Kubrick em dez filmes

Seleção e texto: NUNO CARVALHO

No ano em que se assinala a passagem de duas décadas sobre a morte de Stanley Kubrick, propomos um conjunto de dez filmes de um dos mais talentosos, ambiciosos e distintos realizadores da história do cinema. Aqui os vamos recordar, um a um, em contagem decrescente. Qual será o melhor?

1.º 2001: Odisseia no Espaço (1968)

“Um dos três ou quatro filmes mais influentes alguma vez feitos”, na opinião de William Friedkin, 2001: Odisseia no Espaço é o opus magnum de Kubrick. Estreado um ano antes de o homem ir à Lua e quando não havia ainda sequer imagens da Terra vista do espaço, é o filme mais visionário do realizador, aquele que, apesar de solidamente assente no mais avançado e rigoroso conhecimento científico e tecnológico disponível à época (foram contratados consultores da NASA), obrigou a uma construção quase profética do futuro. É claro que há aspetos desse futuro imaginado que estão hoje datados (nem Kubrick nem Arthur C. Clarke conseguiram, por exemplo, prever o grau de miniaturização que os computadores atingiriam) e outros, demasiado otimistas e futuristas, que ainda hoje estão longe de se concretizarem. E é também óbvio que, apesar da magnificência da sua visão, 2001: Odisseia no Espaço é um produto da sua época, quando estava na ordem do dia a corrida espacial e havia “grandes esperanças” sobre a “forma das coisas por vir”. No entanto, não é, ainda hoje, um filme radicalmente datado, sobretudo se tivermos em conta que a sua grande personagem é o HAL 9000, o computador de bordo da nave Discovery 1, cuja inteligência artificial é tão sofisticada e complexa que é capaz de se virar contra a tripulação na tentativa de se preservar, levantando a questão de saber a partir de que ponto uma máquina poderá tornar-se uma entidade senciente. Um debate que remonta ao livro O Homem-Máquina, de Julien Offray de la Mettrie, que em 1747 postulava uma visão mecanicista do ser humano, e que ainda hoje não está fechado. Serão o bem e o mal meras categorias biológicas, como defendem hoje muitos neurocientistas, haverá um “ghost in the machine”, chegará o dia em que será imoral desligar um computador, capaz de maldade, por ter atingido o estatuto de “pessoa”? As descendências de 2001, nesta matéria, foram muitas e com vasto poder de alcance temporal, bastando apenas lembrar um filme tão popular como Exterminador Implacável 2 – O Dia do Julgamento (1991), de James Cameron, em que as máquinas tomam conta do mundo e são capazes de aprender a ser humanas. Mas muitas outras questões se levantam neste épico de ficção científica (é o filme mais grandiosamente filosófico de Kubrick, como o é, por exemplo, A Árvore da Vida na filmografia de Terrence Malick), e o resto, a música erudita (de Strauss a Ligeti), a precisão realista, o tom contemplativo e o minimalismo dos diálogos, o perfeccionismo e o extremo controlo de qualidade, os enigmas, o facto de muitos críticos terem passado ao lado daquele que veio a revelar-se um marco fundamental na história do cinema e de ter ganho apenas um Óscar na categoria de melhores efeitos visuais, entre muitos outros pontos, já foi dito e redito. Aproveitando a vastidão escura do espaço como metáfora, Kubrick deixou um voto de esperança realista (talvez trans-humanista objetivista) à posteridade: “Por mais vasta que seja a escuridão, devemos providenciar a nossa própria luz.”

2.º Laranja Mecânica (1971)

Uma das razões por que esta adaptação da novela de 1962 de Anthony Burgess é um clássico moderno que se mantém atual (apesar das suas marcas de época) tem que ver com o facto de abordar muitas questões que não só não perderam relevância como parecem até recrudescer nos tempos que correm. E nem sequer vale a pena perder tempo com as acusações de “incitamento à violência” de que o escritor e o cineasta foram alvo quando o filme estreou – é uma obra de ficção, e o facto de ter sido classificada como “ultraviolenta” por ter um protagonista violento não fez dos seus autores pessoas violentas, porque as personagens de qualquer bom livro ou filme estão longe de ser decalques simplistas da personalidade dos seus autores, e seria de uma burrice completa acusar um escritor ou um cineasta de ser, de algum modo, “autor moral” da violência alheia). De resto, Laranja Mecânica é, entre outras coisas, um filme sobre liberdade e livre-arbítrio. Depois de cometer um crime grave, Alex (Malcolm McDowell), um adolescente líder de um gangue numa Inglaterra futurista, é submetido a uma experiência de condicionamento do comportamento promovida pelo governo, cuja grande preocupação é reduzir a elevada taxa de criminalidade (e apresentar Alex como um caso exemplar de “regeneração” tendo como principal objetivo a recondução nas eleições). Envolvido numa terapia experimental baseada em estímulos aversivos associados a imagens de teor violento (inclusive sexuais), Alex acaba por obter uma “cura” e ser libertado da prisão. O que faz deste um filme ainda atual (provando de novo que Kubrick era um visionário) é a questão da escolha individual, num tempo, como o nosso, em que as tentativas políticas, sociais, médicas, penais, etc., de manipular e reprimir essa liberdade são cada vez mais. Tal como Burgess (cujo livro é uma alegoria antiautoritária, que captou muito do espírito da contracultura dos anos 60, como o movimento da antipsiquiatria), Kubrick é cáustico com múltiplas figuras de autoridade, desde a polícia, apresentada como uma instituição com uma função de escape “legal” da violência que não raras vezes abusa do seu poder, até à psiquiatria, retratada como uma pseudociência exercida por falsas sumidades que usam os pacientes como cobaias humanas e cuja única “cura” que conseguem para Alex é privá-lo da sua mente, ou seja, “lobotomizá-lo”, numa crítica feroz, que o livro já continha, ao behaviorismo “pavloviano” do psicólogo B.F. Skinner e às consequências das suas teorias, que punham em causa a autonomia, a individualidade e a livre ação humanas, e que foram respaldo para outras experiências de controlo humano, entre elas as levadas a cabo por médicos nazis. Kubrick toca estas notas todas com um sentido visual apurado, criativo e muito inspirado na pop art (e na pop erotica) – acompanhado pela banda sonora de Walter Carlos (que logo depois fez a transição para mulher e passou a assinar como Wendy Carlos e que era desprezado pelos puristas por usar sintetizadores Moog, que aliás ajudou a desenvolver mas que eram considerados “primários”) que sintetiza Beethoven através de eletrónicas minimalistas –, revelando toda a sua mestria de provocador e livre-pensador nesta distópica comédia negra satírica sobre a violência e as falsas e abusivas curas que levantam as mais delicadas e profundas questões éticas. E só o nome Alex (a-lex, ausência de lei) é todo um programa… Proibido no Reino Unido durante largos anos, o filme tornou-se uma referência maior para a cultura popular, sobretudo na música. Dos Moloko ou Sigue Sigue Sputnik aos Blur, não faltam exemplos.

3.º Barry Lyndon (1975)

Salvaguardadas as devidas distâncias (que não são afinal assim tantas, e não se trata de se ser ou não um animalista), o niilismo existencial de Barry Lyndon faz lembrar A Viagem do Elefante, o extenso conto de José Saramago sobre o destino final de um elefante que faz uma longa e cansativa viagem e que acaba esfolado e com as patas dianteiras cortadas e transformadas num recipiente para pôr guarda-chuvas. Uma metáfora do absurdo e da insignificância da vida, tal como a história (baseada no romance picaresco The Luck of Barry Lyndon, de William Thackeray, e passada no século XVIII) do arrivista social irlandês Redmond Barry (Ryan O’Neal), que se apropria de um nome, de um título nobiliárquico e de uma fortuna através do casamento com a condessa de Lyndon (Marisa Berenson), e que vive muitas vidas e acaba por alienar tudo aquilo que conquistou graças a um misto de tédio, falta de paciência e uma condição trágica de homem que parece destituído de vida interior – um homem ocado, devoluto (e com uma certa candura de veludo que contribui para o tornar o maior inimigo de si mesmo), cuja existência não parece conferir-lhe uma essência, e que parece também impossibilitado de ser por não o conseguir ou por ter resolvido pela negativa o dilema hamletiano ou por ir perdendo elã vital e gás na oportunística ascensão social, como se estivesse preso por um elástico que esticasse até ao seu limite e depois o devolvesse à casa partida – mas não como um heroico Ulisses, antes como alguém que, apesar de tanto movimento e ação, embora cada vez mais lânguidos, parece condenado a um certo imobilismo existencial, a não sair afinal simbolicamente do mesmo sítio e da “cepa torta”, e acabando derrotado, mais triste e sem glória como o Napoleão de que Kubrick quis contar a história e de quem John Baxter, em Stanley Kubrick: A Biography, cita uma frase (que o líder político e militar disse com 17 anos): “Para mim a vida é um fardo. Nada me dá qualquer prazer. Só encontro tristeza em tudo à minha volta. É muito difícil, porque os caminhos daqueles com quem vivo, e com quem provavelmente sempre viverei, são tão diferentes dos meus como o luar o é da luz do sol.”

4.º Shining (1980)

Como figura genialmente polimorfa e proteana que era, Kubrick fez mais uma incursão pelo filme de género que aqui resultou num dos mais míticos e memoráveis filmes de terror de sempre. Apesar de não ter gozado do beneplácito de Stephen King, o autor do livro homónimo de 1977 (aquele que era à data o mais longo e ambicioso romance do escritor, ainda no início de uma carreira que viria a tornar-se imensamente bem-sucedida), que não gostou do filme, considerando que Kubrick não dominava bem os códigos do género (pelo menos, segundo a visão mais virada para o “fantástico” do rei do terror), Shining beneficiou muito da leitura mais psicológica que o cineasta fez da narrativa, centrando-a na personagem atormentada de Jack Torrance e não na do filho de 6 anos com poderes telepáticos (como no livro). Kubrick remeteu para as periferias o elemento sobrenatural (para King, esta era meramente uma história de um hotel assombrado e de uma família vítima de fantasmas) e deu uma dimensão de terror psicológico a este pesadelo freudiano sobre um ex-professor que decide aceitar um trabalho de zelador de um hotel isolado nas montanhas que fecha na época de inverno e que, sozinho com a mulher e o filho, e na esperança de encontrar aí o ambiente ideal para ultrapassar um bloqueio de escritor e terminar um romance, acaba por enlouquecer e desenvolver impulsos homicidas que o levam a querer matar a família. Se há aqui mal ao jeito maniqueísta kubrickiano, ele encontra-se na mente perturbada da personagem interpretada por Jack Nicholson. Os demónios são psicológicos (remetendo muito para o conceito de sombra tal como o conceberam Jung ou R.D. Laing), mas, não sejamos ingénuos (e Kubrick era lucidíssimo), mesmo olhados de uma perspetiva psiquiátrica (com o labirinto como metáfora da psicose), têm uma dimensão inexplicável que escapa a qualquer tentativa de reducionismo científico ou domação clínica. O mal existe e, ao contrário do que pensa o nosso tempo cheio de panaceias para tudo, é muito mais poderoso e intemporal do que os nossos espíritos incautos, hipercientíficos e pejados de “fantasmas tão educados” julgam.

5.º De Olhos Bem Fechados (1999)

O derradeiro filme de Stanley Kubrick (que morreria, aos 70 anos, logo após ter concluído a montagem final e ter tido a antestreia com a Warner Brothers, Tom Cruise e Nicole Kidman) é, juntamente com 2001: Odisseia no Espaço, uma das suas obras com final mais otimista (ambos os epílogos desses filmes tão distantes temporalmente são abertos pelo menos à possibilidade de um renascer). Enquanto esperava pelos avanços tecnológicos que lhe permitissem concretizar A.I. (em 1995 falara com Spielberg sobre a hipótese de este realizar o filme e ele próprio produzi-lo, mas estavam ambos demasiado ocupados para pensarem seriamente no projeto), Kubrick decidiu fazer um thriller psicossexual baseado no romance Traumnovelle (publicado entre nós com o título A História de Um Sonho), do escritor austríaco Arthur Schnitzler, um livro de 1926 com ecos freudianos e que o cineasta lera nos anos 70 (aliás, também já pensara, antes de avançar para Horizontes de Glória, em adaptar Segredo Ardente, de Stefan Zweig, conterrâneo e contemporâneo de Schnitzler, e outro grande admirador de Freud). O filme, que chegou também a ter garantidos os nomes de Harvey Keitel (que desistiu do projeto e obrigou Kubrick a refilmar uma série de cenas com Sydney Pollack, o realizador e ocasional ator que o substituiu) e de Jennifer Jason Leigh, centra-se num casal (Kidman e Cruise, na altura também unidos na vida real) em que a confiança mútua é posta em causa quando a mulher confidencia ao marido, numa noite em que ambos fumam haxixe, que esteve disposta a abandonar a família para concretizar um desejo erótico e passional por um oficial da Marinha. Uma revelação que levará a personagem de Cruise, um médico, a uma deambulação noturna pelas ruas de Nova Iorque (recriadas em solo britânico), em que a sua vontade de infidelidade por vingança é sopesada perante vários e sérios riscos que, quais tentações probatórias, se abeiram do protagonista e lhe dão a oportunidade de tornar patente a sua virtude. Kubrick consegue arrancar de Tom Cruise o papel da sua vida, ao mesmo tempo que deixa um testamento sensualmente onírico que não só termina com uma nota de esperança (apesar da sua visão do sexo, aliás bastante sensata, como algo que pouco ou nada tem que ver com amor) como constitui o seu trabalho emocionalmente mais maduro.

6.º Horizontes de Glória (1957)

Tal como Doutor Estranhoamor, ainda que num registo diametralmente oposto, Horizontes de Glória (Paths of Glory) é um libelo pacifista, denunciando aqui o egoísmo, a vontade e o abuso de poder, a decadência moral e a corrupção das mais altas patentes militares. O filme conta a história de um general que ordena, com a promessa de uma promoção, a um ambicioso e vaidoso subordinado que lidere a conquista de uma posição estratégica alemã, durante a Primeira Guerra Mundial, acabando essa missão por ter um desfecho desastroso para as suas tropas. Furioso com o fracasso, é compelido a acusar de traição três homens inocentes, transformando-os em bodes expiatórios convenientes para salvar a pele e o estatuto das mais altas patentes, desembocando a acusação numa farsa de julgamento em que nem o veemente papel de advogado de defesa do jovem coronel interpretado por Kirk Douglas consegue livrá-los da condenação à morte num processo totalmente injusto e enviesado pelo preconceito. O filme adapta a até então obscura novela de 1935 da autoria do argumentista canadiano Humphrey Cobb (que Kubrick lera quando tinha 14 anos), vagamente baseada num caso real (de que o escritor teve conhecimento através de um artigo do The New York Times) ocorrido em França, em 1915, em que um grupo de soldados franceses foi fuzilado sob acusação de insurreição. Kubrick adensa o carácter irónico, pessimista e fatalista da narrativa de Cobb (com a preciosa colaboração do satirista social Calder Willingham), utilizando a câmara (maioritariamente operada por si próprio) como se fosse mais um soldado que observa os movimentos da personagem de Douglas e dos seus homens (um efeito intimista e, de certo modo, precursor do POV – mas que, por exemplo, tinha sido já ensaiado nos primórdios da história do cinema no Napoleão de Abel Gance – que o cineasta voltaria a usar em Nascido para Matar).

7.º Doutor Estranhoamor (1964)

Esta comédia de pesadelo em que Kubrick percebeu que o tema da guerra nuclear era demasiado “ultrajante” e “fantástico” para ser tratado de uma forma convencional, só conseguindo vê-lo como uma espécie de “piada hedionda”, é uma declaração antiguerra que ridiculariza a hipermasculinidade dos mais altos responsáveis envolvidos na Guerra Fria. Partindo do livro Two Hours to Doom, do escritor galês e ex-tenente da Força Aérea Real Peter George, trabalhado pelo escritor Terry Southern, que lhe conferiu um sentido de humor surrealista, Doutor Estranhoamor (Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb) divide-se entre os cenários de uma base da Força Aérea onde se encontra um general desequilibrado e paranoico que quer instigar um ataque nuclear contra a União Soviética (interpretado por Sterling Hayden) e uma solene, sepulcral e claustrofóbica Sala de Guerra onde a escalada de insensatez, loucura e histeria atinge níveis que saem completamente fora da órbita do real. Peter Sellers interpreta quatro papéis, entre eles o do presidente dos Estados Unidos e o do cientista e conselheiro ex-nazi Dr. Strangelove, personagem em que eleva ao expoente máximo o seu talento para a improvisação. O filme, o primeiro em que o realizador já não colabora com o produtor James B. Harris, possui um humor negro muito característico dos anos 60 (até nos nomes das personagens) e é uma sátira aos senhores da guerra e à sua claustrofilia desligada da realidade que se mantém ainda pertinente no tempo presente.

8.º Nascido para Matar (1987)

Desde Medo e Desejo (1953), a longa-metragem de estreia de Stanley Kubrick, que foi notório que a sua visão existencial se fundamentava em parte numa filosofia complexa e inteligentemente maniqueísta (não no sentido banal e corriqueiro com que muitas vezes o conceito é empregue – geralmente pelos media tradicionais, que com frequência lhe atribuem um significado estereotipado, superficial e equívoco –, mas antes com um lastro que remete para a filosofia religiosa sincrética e dualista de Maniqueu, filósofo cristão do século III que defendia uma visão de mundo fundada na luta entre o bem e o mal, e que foi, por exemplo, abandonada por Santo Agostinho em favor de uma doutrina supostamente mais evoluída e mais próxima da verdade). Uma visão que se torna clara também no mundo de trevas de Nascido para Matar (Full Metal Jacket). Neste pesado drama de guerra que se centra sobretudo na ofensiva do Tet, em 1968, durante a Guerra do Vietname, as trevas são exteriores e interiores, e não se trata de haver só bonzinhos do lado americano e mauzões do lado vietnamita, mas sim de uma luta entre bem e mal que, em primeiro lugar, é travada no campo de batalha do espírito de cada um e só depois se projeta (neste caso, como sombra) no mundo. De resto, a Kubrick não interessou tanto fazer um retrato muito realista e fidedigno do que se passou historicamente, mas antes evocar, condensar e fazer entranhar-se no espectador, através da envolvência e da atmosfera, a sensação da natureza por vezes extremamente deletéria e crua do mal. Com Matthew Modine no papel principal, interpretando um soldado que olha para tudo à sua volta com sarcasmo, resumido na sua meditação final: “Estou num mundo de merda, mas estou vivo e não tenho medo.”

9.º Um Roubo no Hipódromo (1956)

Considerado por Kubrick como a sua “primeira obra madura”, Um Roubo no Hipódromo (The Killing), o terceiro filme do cineasta, possui uma estrutura e uma narração complexas, que derivam em boa parte do livro original em que se baseia, Clean Break, primeira obra do escritor de noirs Lionel White, que Kubrick adaptou a partir do argumento trabalhado pelo escritor Jim Thompson. O cineasta e o produtor James B. Harris (que Kubrick conheceu quando jogava xadrez em Washington Square) adquiriram os direitos do livro, que a United Artists tencionava transformar numa produção para servir de veículo a Frank Sinatra, e conseguiram algum financiamento da produtora ao garantirem para o filme uma estrela, Sterling Hayden (Johnny Guitar), que entrara em Asphalt Jungle (1950), de John Houston. Influenciado por esse filme (o modelo dos heist movies que iriam tornar-se populares na década de 50, em que os artistas olhavam com justo cinismo o poder dos bancos e o conjunto de pessoas deixadas para trás por um sistema iníquo), Kubrick cria uma brilhante e emocionante experiência cinematográfica centrada em sete personagens que planeiam e levam a cabo um roubo milionário a um hipódromo. Apesar de já traduzir o espírito inconformista, criativo e perfeccionista de Kubrick (a sua perícia técnica levou-o a entrar em confronto com Lucien Ballard, o diretor de fotografia), Um Roubo no Hipódromo segue ainda as regras do heist movie e do film noir (e mostra o apreço do cineasta pelo filme de género), mas já com uma mestria que prometia grandes feitos.

10.º Spartacus (1960)

Apesar de ter sido feito há já quase 60 anos, e de não ser um projeto concebido de raiz por Kubrick (Anthony Mann dirigiu a primeira sequência mas foi substituído pelo cineasta que havia realizado antes Horizontes de Glória e tinha apenas 32 anos), Spartacus consegue comunicar com o nosso tempo de uma forma inesperada. É um filme subversivo a vários níveis, não só por retratar a vida de uma figura trágico-heroica que ficou na história como “patrono” de todos os revolucionários, mas por outras razões, entre elas o facto de creditar o nome do argumentista de extrema-esquerda Dalton Trumbo, quebrando assim corajosamente os ditames obscurantistas da lista negra de personalidades que Hollywood pretendia sanear e proscrever na infame época da caça às bruxas do maccarthismo, em que quem fosse conotado ou percecionado como comunista era vetado, interditado e declarado persona non grata. A história do escravo trácio idealista e combativo que escapa de uma escola de treino de gladiadores e lidera, no ano 73 a.C., uma revolta de homens da mesma condição contra os exércitos enviados pelo Senado de Roma e que acaba por ter um fim trágico e “crístico” é bem conhecida, contando Kubrick com Kirk Douglas no papel epónimo (o mentor do projeto e produtor do filme) e com um triunvirato britânico composto pelo magnífico Peter Ustinov (que ganhou o Óscar de melhor ator secundário), por Charles Laughton e por Laurence Olivier (num dos primeiros papéis de uma figura bissexual num filme de um grande estúdio). Spartacus foi o primeiro sucesso comercial de Kubrick e o filme mais caro produzido à época.

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