38. Mothers of Invention (1968)
Texto: NUNO GALOPIM
Já com mais de uma década de grande visibilidade e impacte não apenas na indústria do disco mas nas próprias transformações sociais que entretanto se verificaram no mundo ocidental, a cultura pop/rock ocupava em finais da década de 60 um estatuto mainstream no mapa musical. É claro que havia frentes de maior ousadia, transgressão e rebeldia (habitualmente associadas às expressões dos movimentos juvenis do século XX). Mas parte da música pop/rock que se editava e escutava por aqueles dias não representava necessariamente uma força de contracultura. E foi em busca de um espaço de crítica, muitas vezes recorrendo a sátira, que Frank Zappa se começou a apresentar em disco por esses dias. “Freak Out!” (1966), o álbum de estreia da sua banda – os Mothers Of Invention – abria espaço de manobra a olhares incómodos sobre o estado das coisas, apresentando sobretudo uma visão comentada a partir de Los Angeles, afinal a “casa” da banda, e algumas das transformações que a cultura jovem ali vivia. Esta perspetiva crítica, aliada a um sentido experimental invulgarmente sedento de cruzar ideias e escapar aos caminhos instituídos (abrindo desde logo a difícil catalogação da música de Zappa que atravessaria a sua obra) conheceu desenvolvimento direto nos discos seguintes, tanto os que editou com os Mothers of Invention como em nome próprio. Um deles faria história por tomar como alvo um dos ícones centrais da cultura popular do seu tempo: o “Sgt. Pepper’s” dos Beatles.
Nascido entre um projeto maior ao qual Zappa chamou “No Commercial Potential” (que juntou os álbuns “Lumpy Gravy”, “Cruising With Ruben & the Jets” e “Uncle Meat”, que em conjunto definem um ciclo de acontecimentos), o álbum “We’re In It For The Money” não se limita, contudo, a ser uma reação ao álbum de 1967 dos Beatles. A capa originalmente concebida para o disco – uma paródia ao retrato de “família” usado pelos Beatles mas em ambiente claramente distinto e contando, entre outros, com a presença de Jimi Hendrix – mas depois não usada na edição original (que levava antes esta imagem para o interior do inlay) sublinhou, pela força da iconografia, esta ideia. Mas nada como escutar o álbum para ali encontrar muito mais.
Na linha das ideias lançadas desde logo por “Freak Out”, o terceiro álbum dos Mothers Of Invention é um disco concetual que recusa o formato clássico da coleção de canções para, entre fragmentos, que tanto são de quadros de sonoplastia, intervenções vocais ou canções com identidade nada canónica na estrutura, definir uma reflexão crítica (e carregada de humor) tanto das visões mais extremistas do pensamento político ou os modos de agir das forças da ordem em Los Angeles, como lança farpas à cultura hippie e ao garage rock. O conjunto define um quadro mais feito de ideias e acontecimentos do que necessariamente uma narrativa. A editora vetou a presença de alguns elementos sonoros, alguns deles repostos mais tarde em algumas remisturas e reedições, em trabalhos sob orientação do próprio Zappa.
A música atravessa um espetro vasto de referências e chega mesmo, em “The Chrome Plated Megaphone of Destiny” a caminhar por terrenos claramente próximos da música erudita contemporânea de então, assimilando técnicas e formas da música eletroacústica. A agilidade invulgar na gestão das formas, que nasce de um trabalho de mistura e montagem mais próximo do que se fazia nos espaços das músicas de vanguarda do que nos terrenos da música popular, não descuida, contudo, a solidez do corpo estético e temático. Pelo contrário, cabe precisamente a esta ritmada e intensa colagem de acontecimentos a definição da alma de um disco que tem tanto de subversivo como de sedutor.
A capa originalmente pretendida (e usada mais tarde)
“We’re In It For The Money”, dos Mothers Of Invention, conheceu edição original em 1968 pela Verve tanto nas versões mono como estéreo, em vários territórios. A partir de 1972 surgem algumas reedições levando à capa a imagem que parodiava o “Sgt. Pepper’s” dos Beatles e que estava para ser, originalmente, o “rosto” deste disco. Quando nos anos 90 surgem as reedições em CD há opções tanto por uma como por outra das capas. As recentes reedições em vinil pela Zappa Records usam a fotografia de Cal Schenkel (que parodiava os Beatles) na capa.
Da discografia de Frank Zappa vale a pena descobrir discos como:
“Freak Out!” (1966)
“Weasels Eat My Flesh” (1970)
“Joe’s Garage” (1979)
Se gostou, experimente ouvir:
Captain Beefheart & His Magic Band
Can
The Residents
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