Banda sonora para um presente carregado de dúvidas
Texto: NUNO GALOPIM
Num momento em que é bem evidente o entusiasmo que habita uma nova geração de músicos britânicos que experimentam novas abordagens ao jazz que traduzem o facto de terem entretanto assimilado ecos das músicas urbanas e eletrónicas da sua geração – e basta escutar discos de nomes como The Comet Is Coming, Sons of Kemet ou Nubya Garcia para o constatar – eis que regressa aos discos, após um silêncio de 12 anos, um projeto que, de certo modo, representou uma experiência semelhante, contudo perante os contextos musicais nos quais emergiu, ainda em finais dos anos 90. Fundada em Londres, em 1999, por Jason Swinscoe, a Cinematic Orchestra deixou clara a proposta de uma visão nova sobre o jazz em álbuns como “Motion” (1999) ou “Every Day” (2002), tendo entretanto alargado os horizontes a visões mais próximas da música ambiental e até mesmo orquestral depois de um desafio lançado pelo Porto 2001 para que compusessem uma nova banda sonora para o filme de Dziga Vertov “The Man With The Movie Camera”, representando o álbum de 2007 “Ma Fleur” um claro herdeiro dessas novas demandas.
Doze anos depois – nos quais o silêncio não foi total, já que surgiu um disco ao vivo, uma banda sonora ou um volume da série de DJ sets “Late Night Tales” – eis que o quarto álbum de estúdio mostra como a visão de Swinscoe e do seu atual parceiro Dom Smith continuou a trilhar um trajeto que, sem perder as ligações primordiais ao jazz, está hoje mais focado na criação de um espaço de reflexão. Desta vez focam-se em concreto em questões dos tempos que vivemos, abordando tanto as noções de “verdade” na era das ‘fake news’ como as dúvidas nos planos da política que um Brexit pode levantar.
Um clima sombrio define o ambiente de uma música que gosta de explorar caminhos possíveis para a canção em terrenos sobretudo definidos por eletrónicas mais dadas à placidez do que à euforia e que depois se molda a vozes convidadas, entre as quais surgem figuras como Roots Manuva (que já colaborara em “Every Day”), Tawayah ou Moses Sumney. Tal como em “Ma Fleur”, mas de forma ainda mais presente, as cordas sublinham melancolia e uma dimensão algo cinematográfica que composições que ultrapassam os formatos mais concisos habituais na pop exploram com elegância.
Talvez não se sinta aqui aquela brisa de surpresa que habitava as primeiras gravações da Cinematic Orchestra. Assim como está mais distante – apesar de ainda presente – aquela mais vincada relação com o jazz que passava igualmente pelos seus primeiros discos. “To Believe”, apesar das diferenças na forma e do interesse em explorar por vezes a ausência da voz, acaba por caminhar para rotas de gosto mais próximas do que hoje em dia escutamos num James Blake ou nuns Radiohead do que entre jovens peões das novas gerações de aventureiros do jazz (como o era a Cinematic Orchestra em 1999). Nada contra. Se este é o seu caminho assim seja. E a verdade é que, mesmo não trazendo sementes de revolução a bordo, “To Believe” é um belo exemplo do que pode ser um ponto de encontro de ideias, preocupações do presente com um gosto por uma música eletrónica que tanto escuta ecos do jazz como do vasto mundo de possibilidades que é a música criada para o cinema. E é um belo disco.
“To Believe”, da Cinematic Orchestra, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais numa edição da Ninja Tune. ★★★★
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