E que tal lembrar Dick Dale para além de “Misirlou” e do cinema de Tarantino?
Texto: NUNO GALOPIM
Se a sua morte tivesse ocorrido antes de 1994, é natural que se evocasse o auto-proclamado “rei do surf” e as glórias do momento de sucesso que viveu na primeira metade dos anos 60. Porém, depois de ser usado por Quentin Tarantino em “Pulp Fiction” o clássico de Dick Dale “Misirlou” – na verdade uma versão profundamente modificada de ecos de uma melodia com origem mediterrânica e com expressão em várias culturas da região – acabou por fixar esse momento como aquele que mais brilha (e ofusca) na obra do músico. Ao chegar a notícia da sua morte não foi surpresa ver esta gravação de 1962 (mitificada para novas gerações já nos anos 90) ser frequentemente apontada até nos títulos de notícias que revelavam o desaparecimento de Dick Dale. Porém há mais na memória de Dick Dale do que a criação dessa versão de “Misirlou”… (que por vezes surge referida como “Miserlou”) Memórias talvez com mais impacte na história da música popular do que o momento de sucesso causado pelo reencontro de uma velha gravação num filme que se transformou num clássico recente do cinema…
Natural de Boston (no Massachussets), onde nasceu em 1937, Dick Dale tinha no bilhete de identidade o nome Richard Anthony Mansour, um apelido que traduz uma ascendência libanesa (por via paterna) que explica parte de um interesse maior que desenvolveu pelas músicas do Médio Oriente. O nome Dick Dale, de resto, nasceu porque começou por tocar em bares de música country e alguém lhe terá dito que esse era um nome catita para um músico que andasse por esses universos…
Mas cedo os ecos da música que escutaram em casa se tornou notado nas escalas que usava. Assim como ficou clara uma paixão pelas potecilidades que a música amplificada podia trazer ao seu novo instrumento: a guitarra (na verdade começara por tocar trompete e, depois, ainda passara pelo ukulele). Encetou cedo uma parceria com Leo Fender, ajudando-o a desenvolver os equipamentos que então estava a criar. E é desta conjunção de características, às quais podemos somar ainda a prática do surf (nos Beach Boys, por exemplo, só um dos elementos era verdadeiramente praticante), encontramos as bases para a criação de um som intenso, que cruzava melodias suculentas com a reverberação da guitarra e um apelo solarengo e festivo que acabaria conhecido como ‘surf rock’ e que acabou por criar um momento de euforia entre a emergente cultura juvenil na alvorada dos anos 60.
Tinha já editado singles em finais dos anos 50, mas foi com “Let’s Go Trippin” (1961), uma das primeiras canções de ‘surf rock’, que conquistou um espaço destacado no panorama musical. Fazia-se acompanhar então pelos seus Del-Tones… Seguiu-se o álbum “Surfer’s Choice” (em cujo alinhamento encontramos “Misirlou”), em 1962. E, em 1963, “King Of The Surf Guitar”, título de álbum que cunhava assim, como que por auto proclamação, um título para Dick Dale. Um título que ninguém contestou, mas de popularidade desvanecida quando, em 1964, uma vaga de bandas britânicas – comandada pelos Beatles – mudou os tons do cenário da cultura pop americana.
O seu modo de tocar guitarra cativou contudo sucessivas gerações de músicos. E entre os muitos que admiravam o seu trabalho estava Jimi Hendrix.
Uma saúde nem sempre estável – batalhou em tempos com um tumor no cólon – amplificaram o silêncio de uma ausência que se notou até aos anos 90. E esse notar não se deve apenas ao impacte de “Pulp Fiction” mas também ao facto de um ano antes, em 1993, ter editado “Tribal Thunder”, um álbum de regresso.
Feitas as contas, é evidente que nenhum momento da sua carreira cruzou gerações e acabou fixado na história da cultura popular como o momento em que “Misirlou” teve segunda vida através do cinema de Tarantino… Mas, e no momento em que nos deixa, podemos recordar Dick Dale como mais do que um mero “one hit wonder”. Na verdade teve um segundo êxito (menor, mas êxito) com “Let’s Go Tripin”, que na altura cativou mais atenções em 1961 do que “Misirlou” na sua promeira vida em 1962… E era um rei. Um rei da música surf! Mesmo com coroa autoimposta pelo título de um disco. Mas era um rei. E não há reis de um só súbdito. Ou um só disco.
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