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A canção pop eletrónica como voz política

Texto: NUNO GALOPIM

Nascidos de uma separação da formação original dos Human League, os Heaven 17 optaram cedo por levar à sua pop eletrónica não só os ecos de uma paixão pelo ‘funk’ e o R&B, mas também uma vontade em falar de política e da sociedade de então. A sua obra nos anos 80 surge agora reunida em duas caixas antológicas, uma delas cheia de extras.

Esta é uma história que começa com um fim. E o fim é o da presença de Martyn Ware e Ian Craig Marsh entre os Human League, banda da qual tinham sido fundadores em 1977 e da qual, após dois álbuns e uma mão-cheia de singles (de visibilidade discreta), se afastaram em 1980 por divergências com o rumo desejado pela fação comandada pelo vocalista Philip Oakey e que ficariam bem patentes no álbum de 1981 Dare!, um dos maiores casos de sucesso entre a primeira geração da pop eletrónica britânica. Ware e Marsh começaram por formar a “parceria” B.E.F. – iniciais para British Electric Foundation, pela qual lançariam, com periodicidade irregular, alguns projetos (que tiveram como mais importante consequência a reativação da carreira de Tina Turner a partir do sucesso do single Let’s Stay Together). Em paralelo aos trabalhos da B.E.F., os dois músicos resolveram então chamar o velho amigo e fotógrafo Glenn Gregory, que em tempos fora tido em conta para ser vocalista dos Human League mas que, por naqueles dias se ter mudado para Londres, lhes dera dessa outra vez um não. Com inspiração no nome de uma banda referida em A Laranja Mecânica (está no número quatro numa tabela de vendas desse futuro ficcional), formaram o trio Heaven 17, pelo qual colocaram em cena uma das mais inventivas visões pop feitas com ferramentas eletrónicas na alvorada dos oitentas.

Resolveram ser mais políticos na sua música, o que lhes valeu logo com o single de estreia (We Don’t Need This) Fascist Groove, o silêncio na BBC. Na verdade, e apesar das ideias reveladas nos seus primeiros singles, os Heaven 17 não pareciam estar no mesmo patamar de visibilidade e consequência de outros seus contemporâneos a circular no mesmo terreno. Tudo mudaria com a aceitação crítica e popular do álbum de estreia. Lançado em 1981, o álbum “Penthouse and Pavement” partia da filiação instrumental firme na vontade em explorar as potencialidades dos novos sintetizadores, percussões eletrónicas e sequenciadores, mas juntava uma angulosidade dançável claramente inspirada por ecos do funk e de outros caminhos da grande família r&b. O álbum acabaria reconhecido como uma das obras de referência do seu tempo, brilhando na composição, na diversidade dos arranjos – ora mais dançáveis ora mais cenicamente eloquentes -, com a voz possante de Glenn Gregory a ajudar a vincar a sua personalidade.

Este é talvez o disco dos Heaven 17 que fique inscrito na história, representando um caso notável entre a primeira geração pop eletrónica. Mas na verdade os dois discos seguintes juntaram mais títulos dignos de boa memória à sua discografia e, mais ainda do que “Penthouse and Pavement”, criaram momentos de sucesso… Há, inclusivamente, quem descreva a etapa entre 1983 e 84 como a “fase imperial” dos Heaven 17.

Dois anos depois do álbum de estreia, aprofundando as ligações às heranças r&b, juntando alguns novos instrumentos (sobretudo metais) e contribuições vocais, o segundo álbum, “The Luxury Gap” (1983), apresentou uma interessante proposta de evolução segundo linhas já sugeridas no álbum de estreia, com canções como “Temptation”, “Let Me Go”, “Crushed By The Wheels of Industry” ou “We Live So Fast” a acrescentar momentos de reconhecimento ainda maior à discografia do grupo, mantendo ainda viva a voz política que debatia a sociedade de então. Mesmo com um salto menos pronunciado face ao disco anterior, a viagem evolutiva continua, num trilho semelhante, no não menos cativante “How Men Are” (1984), que acentua mais ainda o alargamento à presença de outros instrumentos num alinhamento feito de diálogos entre a pop, as eletrónicas e as heranças r&b que, entretanto, tinham definido a essência das mais sólidas raízes na música dos Heaven 17.

Uma curta pausa que se seguiu terminaria dois anos depois com o lançamento de “Pleasure One” (1986) disco que, mesmo tendo num tema como “Contenders” uma expressão do som de referência dos Heaven 17, não repetia no alinhamento uma tão inspirada composição. O grupo apostava aqui numa presença ainda mais notória não só de instrumentos para lá das eletrónicas como um vincar do seu piscar de olho a heranças da música negra americana, porém sem conseguir materializar as novas ideias em coleções de canções do calibre das que mostrara nos primeiros álbuns. “Pleasure One” abre por isso um período de progressivo desencantamento que conheceria impacte ainda mais discreto em “Teddy Bear, Duke & Psycho” (1988), no qual o grupo tenta dar um passo atrás, recuperando sonoridades mais próximas das seguidas nos primeiros tempos da sua obra. Há, mesmo assim, entre o alinhamento deste quinto disco, argumentos que fazem deste um álbum mais satisfatório do que o anterior “Pleasure One” que, desta fase, é talvez o disco que mais perdeu com o passar do tempo.

A estes dois álbuns que passaram mais longe das atenções o seguiu-se um período de silêncio, regressando os Heaven 17 (com novo ânimo) com Bigger Than America em 1996, iniciando então uma nova vida mais centrada no palco (algo que antes praticamente não acontecera), juntando ainda à sua discografia dois novos títulos. Hoje, reduzidos a um duo – Glenn Gregory e Martyn Ware – ainda andam por aí. Mas é na música que criaram entre 1981 e 1884 que está o legado mais apetitoso que inscreveram na história da pop eletrónica.

Estas novas caixas promovem um reencontro com os cinco álbuns que os Heaven 17 registaram nos anos 80. A caixa deluxe junta aos cinco CD, que correspondem aos álbuns, outros cinco entre os quais escutamos lados B, versões ‘edit’ dos singles, versões longas dos máxis originais, instrumentais, maquetes do início da atividade do trio e uma vasta coleção de outras remisturas.

“Play To Win – The Virgin Albums”, dos Heaven 17, é uma caixa de cinco discos em vinil que está disponível em vinil numa edição da Demon Records.

A versão em CD inclui dez discos e surge no formato de um livro com as dimensões de um LP. É também um lançamento da Demon Records.

Estas caixas não têm, para já, versões disponíveis nas plataformas digitais

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