Isto sim, foi uma grande festa!
Texto: NUNO GALOPIM
Como ela nos tinha cantado, há dois anos, no Festival da Canção, Lena d’Água nunca se foi embora… Talvez tenhamos todos nós andado distraídos. Mas é também verdade que, desde aquela sucessão de discos incríveis lançados nos anos 80, há muito não a encontrávamos com uma nova mão cheia de canções expressamente compostas para si. E ainda por cima reunidas num disco que não só é um dos melhores de toda a sua obra como mostra como veterania não é necessariamente sinónimo de nostalgia. E foi precisamente com as canções de “Desalmadamente” como protagonistas que se viveu uma noite que, se para muitos foi de reencontro com Lena d’Água, para a cantora foi a prova de que o tempo só é implacável para quem desiste. E esse nunca foi o seu caso. Porque, de facto, nunca se foi embora. Mas há muito que a não víamos assim. Tão viva, entusiasmada, feliz, e com uma banda e um autor que a sua voz há muito já merecia.
O lisboeta Teatro Villaret – o mesmo onde há 41 anos “ganhou o festival”, como coralista dos Gemini – encheu-se à pinha para o concerto que abre nova etapa de palco para Lena d’Água. Era esperado que “Desalmadamente” dominasse o alinhamento. Nada contra. Até porque, se em Pedro da Silva Martins (um dos melhores escritores de canções do nosso tempo) encontrou alguém capaz de escrever para a sua voz e personalidade, Lena d’Água mostra também aqui como um momento de concentração de atenções sobre si não vive dos ecos da memória, mas de um presente que adivinha mais futuro. Que bom que assim seja quando se tem já uma carreira de 40 anos nos discos (sim, o seu single de estreia data de 1979).
A solidez da escrita e a marca de identidade do som que a banda que a acompanhou em estúdio ali levaram serviram de forma brilhante as capacidades de uma cantora que mantém viva aquela rara e bela voz que de si fizeram um dos casos mais notáveis da história pop portuguesa nos oitentas. A “Grande Festa” fez jus ao título e provou certeira a escolha de um dos singles mais irresistíveis que a música portuguesa viu nascer nos últimos anos. Mas o desfile de canções deixou claro que há em “Desalmadamente” mais do que apenas um aperitivo saboroso. Há todo um conjunto de grandes canções que um dia recordaremos tal como o fazemos com os clássicos de Lena d´Água dos oitentas. E esses não faltaram à chamada, embora em posições mais discretas no alinhamento. Com belíssimas novas versões de “Vígaro Cá Vígaro Lá”, “Perto de Ti” ou “Estou Além”, pensadas num diálogo fluente do som da banda (e do novo disco). Casam bem. De António Variações houve ainda mais uma incursão, para voz apenas, pelo arrepiante “A Culpa é da Vontade”… E não faltou a resposta ao “toca aquela”, fazendo-se escutar “Sempre Que o Amor Me Quiser”.
Ficou confirmada a excelência saborosa do novo corpo de canções, assim como a sua capacidade em integrar entre si incursões por memórias mais remotas da discografia de Lena d’Água. Pela frente abrem-se possibilidades incríveis. Fiquei a imaginar como soariam canções como “Jardim Zoológico”, “Labirinto”, “Ajinomoto” ou “Tao”, além de outras mais, entre esta nova família que Lena d’Água reuniu à sua volta. Ela, o Pedro (da Silva Martins), o Luís (Benjamim), os They’re Heading West e os que mais contribuíram para este momento, um muito obrigado por uma noite bem passada. Isto vai correr bem… Bem que vos avisei.
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