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Um retrato dos Talk Talk no seu melhor

Texto: NUNO GALOPIM

Em 2008 chegou a DVD uma gravação de uma das últimas atuações dos Talk Talk. Captada em Montreux, no verão de 1986, sem distrações em volta do palco, a atuação dá-nos o retrato de uma banda única num momento inesquecível.

Foi fundado em 1967 na cidade suíça de Montreux, mas sempre foi mais do que um festival de jazz (apesar do nome). Tanto que a história de gravações ao vivo ali captadas e depois editadas incluem, entre muitos, nomes como os Deep Purple, Ofra Haza, Nile Rodgers, Jamiroquai ou Tori Amos, uns mais próximos do jazz, outros nem por isso. Em 1986, numa altura em que o auditório do Casino de Montreux servia de palco aos concertos do festival, a programação chamou ali os Talk Talk. Decisão acertada em toda a linha. Não só porque, por essa altura, um interesse pelo jazz e por caminhos de exploração do silêncio e da noção de ambiente na música começava a ganhar vida na música do grupo. Como, e mais ainda, porque esse seria um dos últimos concertos dos Talk Talk. Na verdade dariam apenas quatro mais, fechando definitivamente a sua vida como banda ao vivo em setembro de 1986 (numa atuação em Salamanca que a TVE transmitiu), correspondendo assim a gravação do concerto em Montreux (captada a 11 de julho) a um retrato final da sua vida em palco.

Primeiro o contexto. Nascidos na alvorada dos oitentas em plena vaga de afirmação de novas possibilidades para a canção pop lançadas por uma nova geração de instrumentos eletrónicos, os Talk Talk mostravam todavia uma música e postura diferentes da que dominava um novo mapa pop que se desenhava no Reino Unido. O fulgor de uma escrita elaborada e uma presença vocal que demarcava uma identidade fizeram-se notar nos álbuns “The Party’s Over” (1982) e “It’s My Life” (1984) que, ao mesmo tempo que se mostravam capazes de gerar êxitos pop, revelavam em si sinais de maior ambição na criação do que no adivinhar de resultados populares. Em fevereiro de 1986 o terceiro álbum “The Colour Of Spring” voltava as costas às experiências anteriores e metia as mãos na terra, ou seja, contornando os destinos eletrónicos da música ao seu redor para procurar outra visceralidade nas suas canções… E mal adivinhávamos nós, então, que pela frente estariam “Spirit of Eden” (1988) e “Laughting Stock” (1991), álbuns mais próximos de diálogos entre ecos diatantes da canção pop, o jazz e a música improvisada. Não muito longe do que David Sylvian então procurava também…

A atuação em Montreux corresponde à derradeira digressão dos Talk Talk, num tempo em que “The Colour Of Spring” tinha gerado já dois sucessos globais com “Life’s What You Make It” e “Living In Another World”, não sendo por isso surpresa para qualquer plateia que o som dos Talk Talk não era mais o de uma banda pop animada pela presença de eletrónicas (e não só) de discos anteriores…

O palco é relativamente pequeno e está invadido pelos músicos e instrumentos, secundarizando quaisquer tentativas de malabarismos cénicos. Nem mesmo as luzes são aqui um elemento com protagonismo. Roupas simples, casuais e, salvo os óculos escuros do vocalista (expressão de uma tremenda timidez e não de uma pose) não ali nada mais a declarar. O foco está nas canções.

O mais curioso no alinhamento de “Live at Montreux 1986” é o facto de ser “It’s My Life” (e não o álbum mais recente) o disco com maior presença de temas no alinhamento. De resto, de todo o alinhamento do álbum de 1984 só “The Last Time” ficou de fora, apresentando o concerto os três singles do disco de 1986 e ainda “I Don’t Believe In You”, juntamente com os mais antigos “Talk Talk” (do álbum de estreia) e “My Foolish Friend” (single de 1983). O DVD inclui a quase totalidade do concerto já que exclui “Mirror Man” (do álbum de 1982) que o grupo tocou em Montreux.

Os Talk Talk eram por esta altura um trio constituído por Mark Hollis (voz) Paul Webb (baixo) e Lee Harris (bateria). Ali mostram-se acompanhados por John Turnbull (guitarra), Rupert Black e Ian Curnow (teclas), Phil Reis e Leroy Williams (percussão) e Mark Feltham (harmónica). É contudo a voz e a entrega implosiva de Mark Hollis quem cativas as atenções, num concerto em que poucas distrações nos desviam de canções rearranjadas para o palco e para o naipe de instrumentos convocados. Há espaço para a surpresa (como se nota em “Such a Shame”) mas nunca em festins de exibicionismo instrumental. Tudo faz sentido.

A realização é atenta aos acontecimentos instrumentais, pensada dentro do modelo clássico de captação de uma atuação num palco pequeno, tal qual fosse um estúdio de televisão. A edição, em DVD, não consegue fazer milagres a partir do suporte de vídeo original de 1986, mas aposta depois num trabalho de mistura de áudio que justifica pelo que ouvimos o que falta na nitidez do que vemos.

Não há conteúdos adicionais, não há perdas de tempo nas entradas e saídas de palco. Não há discursos ou gracinhas entre canções. Há um tremendo alinhamento e um retrato de uma banda em pico de forma. Quis a sua vida futura que a sua história de palcos acabasse por ali… Um retrato num momento maior, portanto.

“Live In Montreux”, dos Talk Talk, está disponível em DVD numa edição Eagle Vision

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