E se de repente os Beatles nunca tivessem existido?
Texto: NUNO GALOPIM
Como seria o mundo presente se os Beatles não tivessem existido? Ou, melhor… E se um momento para o outro a memória coletiva perdesse a noção de que os Beatles tinham existido, ficando alguém que escapou a essa amnésia coletiva com um potencial tesouro de grandes canções entre as mãos? Esta é a principal premissa de “Yesterday” novo filme de Danny Boyle que tem tudo para ser um crowd pleaser este verão. Não falta até mesmo a dose choninhas trálálá para deixar feliz uma plateia de Ed Sheeran (literalmente)…
Mas vamos por partes. “Yesterday” tem por protagonista um músico que há dez anos tenta levar as suas canções a outra dimensão mas mais não consegue do que tocar em bares e pequenos palcos, cabendo aos amigos ser os únicos na sala realmente interessados no que faz. Um dia há um apagão geral por todo o mundo… E o planeta inteiro acorda, segundos depois, numa realidade alternativa na qual várias marcas e factos não existiram… Entre eles os Beatles… Mas Jack Malik não se esqueceu de “When I’m 64”, “Back In The USSR” ou “I Saw Her Standing There”… E a sua sorte começa a mudra quando começa a apresentar essas canções como sendo suas. Um dos primeiros a reagir é Ed Sheeran (ele mesmo, interpretar-se a si próprio), que o leva em digressão. É aí que conhece a sua manager (uma hilariante caricatura da visão do “manager” enquanto alguém mais interessado no seu proveito do que na vida de quem lhe dá a ganhar o pão). Nasce o sonho do maior álbum alguma vez editado, com um concerto mais ou menos num telhado e tudo… E não falta uma reunião de marketing que faz dos presentes uma plateia sorridente com rostos que denotam extrema falta de personalidade, que bebem sumos naturais e aplaudem todo o disparate que ali é dito…
Se esta dose de ideias serve o tutano mais rico e divertido de “Yesterday”, já a história em paralelo da amiga que era manager e afinal gostava dele e blá blá blá é o primeiro prego no caixão que impedirá que “Yesterday” seja um filme realmente memorável. Faz passar o tempo, dá para soltar umas gargalhadas, desperta a vontade de chegar a casa e ouvir (novamente) os Beatles (e estar feliz por terem existido) mas pouco mais.
Danny Boyle não é estreante e tecnicamente “Yesterday” cumpre o que se poderia esperar de uma proposta desta dimensão. É particularmente competente na recriação dos ambientes musicais (mesmo quando recorre à caricatura). E convenhamos que é feliz a presença de Ed Sheeran, que me parece bem mais interessante como ator do que como músico (se há figura na música atual que me sabe a pão sem sal com manteiga sem sal, ele é Ed Sheeran).
A ideia que está na base da história é na verdade uma ferramenta cara à ficção científica. E não faltam aí histórias mais nutritivas de realidades alternativas ou paralelas. Estamos em terreno de comédia light… E na verdade a coisa até marcha (mas duvido que resista a um segundo visionamento, porque a gargalhada não será a mesma).
Há em “Yestarday” – como acontecerá brevemente com “Blinded By The Light”, que conta a história de um admirador de Bruce Springsteen – uma interessante expressão de novas possibilidades para a exploração da relação do cinema com as histórias das canções e dos músicos, transcendendo assim o universo mais habitual do ‘biopic’. Mas atenção “Yesterday” não é de todo uma ideia original. Em 2006 “Jean Philippe”, de Lurent Tuel, conta a história de um francês que, depois de um acidente, acorda de um coma num mundo paralelo em que Johnny Halliday nunca existiu. Mas ele, um fã e colecionador, lembra-se… Nesse mundo Halliday tentara ser músico, desistira e é agora um cidadão comum. E tentará convencer o protagonista a tornar-se a estreia da música que a vida não lhe permitiu ser… Já agora vale a pena referir “Boku wa Beatles”, um manga que conta uma história de realidade alternativa que coloca, inesperadamente, dois elementos dos fab four no Japão em 1961… Se “Yestarday” fizer boa carreira, este filão de narrativas vai crescer…
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