Os primeiros passos de Terrence Malick… nas Badlands
Texto: NUNO GALOPIM
Foi sob ecos de factos e figuras reais, mas sem procurar uma recriação de gentes e eventos, que Terrence Malick assinou, em 1973, a sua estreia no cinema. Estreado entre nós com o título “Os Noivos Sangrentos” (o título original é “Badlands”), levou Martin Sheen e Sissy Spacek a recriar uma dupla responsável por uma série de assassinatos entre 1957 e 1958, que fizeram do par um caso célebre. Tão célebre que gerou várias representações no cinema e televisão, a mais antiga datada de 1963 (“The Sadist”, de James Landis), numa sucessão de títulos entre os quais encontramos “Assassinos Natos” (ou seja, “Natural Born Killers”) de Oliver Stone. Uns mais realistas, outros com maior dose de vitaminas na ficção…
“Baldands” não nasceu com vontade de ser um retrato realista dos acontecimentos. De resto, num documentário que acompanha esta nova edição, ambos os protagonistas explica, como Terrence Malick não conduzia as ideias com uma evidente ligação às figuras e acontecimentos que estavam na base da ideia. De resto, e a principio, a ligação entre o filme e o caso Starkwather / Fugate nem habitava o discurso criado em volta de “Badlands”…
Mas mesmo sob um olhar já com evidente ponto de vista poético, ensaiando primeiras ideias que seriam depois fixadas numa linguagem autoral que filmes posteriores desenvolveriam, há na trama de “Badlands” claros ecos da história que está na base de toda a narrativa. E assim ali acompanhamos o encontro do jovem Kit (Martin Sheen), que acaba de ser despedido de um trabalho de recolha de lixo que faz sem interesse nem brio, com a ainda mais jovem Holly, cujo pai não aprova a relação que se começa a desenhar entre ambos. Ele será então a primeira vítima de uma espiral de descontrolo que leva o casal a deixar a pequena cidade no Dakota do Sul (a história real ocorreu no vizinho Nebraska) em que viviam, passando ora a pernoitar no campo ou em casas de amigos ou desconhecidos… E pelo caminho o rasto de mortes vai-se alastrando… O ‘look’ à la James Dean de Kit é o primeiro traço de um padrão de comportamentos que Sheen cria sem exageros, culminando com uma detenção com ares de pop star. O contraste com a emocionalmente ausente Holly é vincado por um também notável trabalho de interpretação de Sissy Spacek. Uma das curiosidades do filme é um ‘cameo’, quase à la Hitchcock (mas com linhas de diálogo) do próprio Malick, que vemos numa cena a bater à porta de uma casa nesse momento sequestrada por Kit e Holly.
O reencontro com “Badlands”, nesta edição com cópia restaurada (que deixa a milhas as que antes havia em DVD), permite-nos olhar para os primeiros sinais de uma demanda autoral que alcançaria a sua visão definitiva em “A Árvore da Vida”. Aqui há já um interesse em observar o detalhe, sobretudo nos cenários (particularmente os naturais), assim como se explora já o recurso à voz off (a de Spacek) e nota um interesse em encontrar música capaz de estabelecer jogos de afinidades e contrastes com as imagens. A presença de uma das suas composições para um projeto pedagógico (reunido mais tarde em três discos sob a designação comum “Orff Schulwerk”) tornou-se, de resto, num dos ex libris de “Badlands”…
Na obra de Malick seguir-se-ia, cinco anos depois, o mais ambicioso “Days Of Heaven”. E, depois de um hiato de vinte anos, o monumental “A Barreira Invisível”, onde encontramos já a voz firme e demarcada de um autor que, então, lançava as fundações para chegar à sua obra-prima.
“Baldlands”, de Terrence Malick, está disponível numa edição em Blu-Ray (com cópia restaurada) pela Criterion. Entre os extras há um documentário com novas entrevias com os dois atores protagonistas e o diretor artístico Jack Fisk ou um episódio de um programa de televisão que recorda o caso Starkwather / Fugate.
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