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Os cadernos das memórias de Max Richter

Texto: NUNO GALOPIM

A reedição em vinil do álbum ‘The Blue Notebooks’ recupera uma colaboração com a atriz Tilda Swinton, que aqui lê textos de Kafka e Miłosz.

Pormenor da capa de The Blue Notebooks

Foi através de alguns trabalhos para cinema – das bandas sonoras de Valsa com Bashir, de Ari Folman, a Lore de Cate Shortland – que o alemão de Max Richter foi ganhando visibilidade ao longo dos últimos anos. Foi porém o impacte maior alcançado com a sua criação para a série ‘Re-Composed’ (da Deutsche Grammophon), que o projetou rumo a um novo patamar de visibilidade e reconhecimento, juntando-o assim aos nomes de compositores seus contemporâneos como Johnny Greenwood, Bryce Dessner, Nico Muhly ou Richard Reed Parry para começar a definir o que possa ser a linguagem da música orquestral do início do século XXI. Não podemos contudo reduzir o seu trabalho – e linguagem – a essa abordagem à música de Vivaldi nem apenas ao que tem feito no cinema. Vale a pena conhecer o resto…

Max Richter somava já anos de carreira quando começou a fazer música para cinema. Nascido em 1966, conheceu uma primeira etapa de vida discográfica a bordo do coletivo Piano Circus, com o qual chegou a gravar obras de Nyman, Glass ou Eno, vivendo por essa altura colaborações com figuras das electrónicas como Roni Size e os Future Sound of London. Em 2001 iniciou um percurso discográfico em nome próprio com o álbum Memoryhouse. O disco abriu um terreno de exploração de ideias cruzando o espaço da música orquestral com elementos electrónicos e, frequentemente, uma noção de intensidade dramática e de cenografia com fôlego cinematográfico, não sendo de espantar que em pouco tempo o mundo do cinema chamasse o seu trabalho.

A aproximação de Max Richter à Deutsche Grammophon, que começou pela já referida colaboração na série Re-Composed com um disco (o seu sexto álbum a solo) no qual “re-compunha” As Quatro Estações de Vivaldi (em 2013). O impacte que o disco obteve abriu entretanto portas à redescoberta da obra antes editada que, mesmo criticamente aclamada (curiosamente mais junto de figuras ligadas à cultura indie que entre vozes mais próximas da música clássica), era relativamente desconhecida de muitos. De certa forma, um segredo até ali bem guardado.

The Blue Notebooks (onde contou com a voz de Tilda Swinton), Songs From Before (que coloca Robert Wyatt a ler Murakami), 24 Postcards in Full Colour (uma reflexão de microcomposição a partir da noção de ringtone) e Infra (que convoca heranças de Schubert e aprofunda a busca de caminhos pessoais), todos eles criados e editados entre 2004 e 2010, surgiram no ano passado reunidos na caixa de quatro CD Retrospective, conhecendo também lançamento avulso em suporte digital. Agora assinala-se a edição em vinil do primeiro desses quatro discos, ficando no ar a possibilidade deste lançamento poder representar o primeiro passo para a construção de uma integral em vinil da obra de Max Richter entretanto adquirida pela Deutsche Grammophon.

The Blue Notebooks, de 2004, e o mais antigo dos títulos desse lote, foi o sucessor do belíssimo Memoryhouse. Com textos de Franz Kafka e Czesław Miłosz (lidos pela voz da atriz Tilda Swinton) como fio condutor, o disco representa uma clara progressão no sentido da definição de uma linguagem pessoal atenta a heranças clássicas, ciente de uma inspiração (embora não ofuscante) de figuras maiores do nosso tempo como Glass ou Eno e capaz de integrar num mesmo espaço o trabalho de uma orquestra, a presença solista de um piano ou um terreno de câmara para cordas, com elementos electrónicos e sons do mundo ao nosso redor (entre os quais os de uma máquina de escrever que sugerem o espaço cénico dos episódios de leitura).

The Blue Notebooks é um disco mais feito de pequenos acontecimentos que as vistas largas orquestrais de alguns momentos de Memoryhouse haviam ensaiado, embora apresentando em alguns momentos claros exemplos de uma visão sinfonista que não esconde uma admiração pelos grandes compositores do final do romantismo. As palavras lançam depois um espaço de ideias e sugestões que uma música melancólica vai desenhando entre as presenças protagonistas do piano e das cordas, ocasionalmente abrindo portas a texturas electrónicas e uma sonoplastia delicada e não intrusiva. As memórias faladas, que a voz de Tilda Swinton tão bem interpreta, encontram assim a banda sonora perfeita. Como se de um filme sem imagens se tratasse.

Na biografia que lemos no ano passado no booklet de Retrospective, Max Richter era descrito como alguém que toma os Beatles e Bach como fontes de inspiração, num texto que realçava ainda que, foi da descoberta das músicas de Eno, Pärt, das potencialidades das novas electrónicas, do conhecimento histórico da música, do trabalho ao lado de uns Future Sound of London ou com orquestras, que nasce a música de visões largas que nos propõe. E que este disco tão claramente traduz.

The Blue Notebooks é um disco curto, do qual sairiam depois elementos para filmes como Valsa com Bashir (de Ari Folman) ou Shutter Island (de Martin Scorsese). Há já onze anos estava aqui bem clara a génese de uma linguagem que hoje faz de Max Richter um dos mais interessantes compositores do nosso tempo.

O álbum ‘The Blue Notebooks’, de Max Richter, acaba de conhecer edição em vinil no catálogo da Deutsche Grammophon.

1 Comment on Os cadernos das memórias de Max Richter

  1. osfilmesdefredericodaniel // Janeiro 22, 2016 às 6:11 pm // Responder

    ON THE NATURE OF DAYLIGHT é perfeita. E fica perfeita no “Shutter Island”: 5*

    É um filme obrigatório. Com o seu desenrolar vamos descobrindo tudo e isso é-nos mostrado de uma forma magistral.

    Cumprimentos, Frederico Daniel.

    Gostar

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