1969. A estreia de uma voz frágil
Texto: NUNO GALOPIM
Por incrível que hoje possa parecer Nick Drake foi, no seu tempo, um músico praticamente ignorado, pela rádio, pelos compradores de discos, por muitos dos críticos e até mesmo pelos demais músicos que circulassem além das suas esferas mais próximas. Os três álbuns que editou em vida, entre 1969 e 1972 mereceram discreta (e desatenta) atenção na imprensa musical, apenas uma vez gerando interesse para o que foi, ainda por cima, uma curta entrevista. O medo quase patológico que o jovem músico inglês tinha do palco terá em muito justificado esta discreta existência, sobretudo dada a afinidade do seu som com a corrente folk que ganhava fiéis na Inglaterra de finais de 60 em encontros para multidão, festa, paz e amor. Nick Drake não era, contudo, um folkie… A sua escrita aceitava algumas heranças da canção tradicional, mas nela cruzavam-se também traços comuns aos de uma igualmente emergente geração de cantautores conscientes da cultura pop/rock e uma visão literária que a sua vivência universitária terá ajudado a moldar. Nick Drake reunia o melhor de ambos os mundos, o apelo medoldista elaborado de um Donovan, mas também o domínio poético da palavra que conheceria superlativo no igualmente contemporâneo Leonard Cohen.
Foi numa das suas raras atuações que um elemento dos Fairport Convention o viu e recomendou ao produtor Joe Boyd, que logo o apadrinhou e conseguiu um contrato através da Island Records, de Chris Blackwell a quem já antes tinha mostrado algumas das suas primeiras maquetes.
As sessões de trabalho naquele que seria o álbum de estreia de Nick Drake começaram a ganhar forma no verão de 1968 mas prolongaram-se, sem pressa, por 1969 dentro. Joe Boyd tinha certamente em mente o impacte (recente) do álbum de estreia de Leonard Cohen quando imaginava que futuro esperaria as canções do talentoso cantautor que ali dava os primeiros passos. Joe estava encantado não apenas pela solidez da escrita e o caráter único da composição, mas também pela rara técnica interpretativa na guitarra capaz de sugerir uma estranha sensação de simplicidade perante formas e soluções na verdade bem mais complexas. O álbum contou com colaborações de Richard Thompson (Fairport Convention) e Danny Thompson (Pentangle), e os subtis mas determinantes arranjos para cordas e sopros de Robert Kirby (antigo colega na universidade).
O álbum recebeu como título Five Leaves Left, muitas vezes sendo lembrada como esta era uma referência que surgia nas caixas de mortalhas da Rizzla quando já só havia cinco antes de se acabar aquele lote… Um pouco como o entrar na reserva no depósito de um carro. O alinhamento, que inclui peças históricas como River Man, Time Has Told Me, Cello Song, Way To Blue ou The Thoughts of Mary Jane revelam um fortíssimo sentido melódico, uma voz sedutora, quente e tranquila, um sentido de atmosfera encantador e uma poética que traduzia, logo nos primeiros tempos, as temáticas centrais em Drake: melancolia, solidão, amores frustrados e morte. Em Fruit Tree, quase no final do lado B Nick Drake chega mesmo a enunciar o que parecia uma profecia assombrada lançada sobre si mesmo, observando como a fama (ou o reconhecimento) por vezes chegam tarde demais, até mesmo depois de o autor ter desaparecido.
Das críticas publicadas na época só a que saiu no International Times em julho de 1969 traduziu uma sensação de entusiasmo, reconhecendo o seu autor que há muito não se deixava impressionar tanto por uma voz estreante. O texto nota que as canções não se esgotam em espaços folk, sublinha o brilhantismo dos arranjos mas, à maneira clássica de quem não consegue deixar de usar um texto sobre outrem para falar de si mesmo, a dada altura envia uma mensagem direta às editoras: “porque não nos mandam os exemplares promocionais mais cedo?” (não teria telefone por perto para fazer a pergunta?). Esta foi mesmo assim a única crítica com extensão média. Se olharmos para a miséria de dois pequenos parágrafos publicada no NME (e não foi o único caso nestes parâmetros) ficará claro que algo ali falhou…
Tirando algum entusiasmo de John Peel, a rádio também não reagiu. Da parte da editora houve alguma (pouca) publicidade, embora associando sempre o disco de Nick Drake a um lançamento contemporâneo dos Fairport Convention, como que em busca de uma caução. Não houve single. De resto, nunca houve singles de Nick Drake (em vida). Havia uma estratégia de palco pensada para dar visibilidade ao disco, mas esse não era o azimute certo para o futuro do músico. Valeu-nos o tempo, que anos depois nos lembrou quão belo e único era este disco de 1969 que, hoje, habita merecidamente entre o cânone dos discos de refêrencia da época.
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