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1970. Sinais de esperança

Texto: NUNO GALOPIM

Apesar de se recusar a subir aos palcos, Nick Drake encontrou no estúdio o ambiente e os companheiros certos para fazer de “Bryter Layter” o seu disco mais elaborado, no qual a luz dialoga com a melancolia.

Em outubro de 1969, a cerca de nove meses dos exames finais que lhe teriam permitido concluir a sua licenciatura em Cambridge, Nick Drake voltava as costas a esse projeto de futuro de outrora e rumava a Londres para focar atenções na música. Começou por habitar sofás em casas de amigos, partilhou outros até que, sob a assistência próxima do produtor Joe Boyd, encontrou o seu próprio apartamento que, descreve quem o conheceu, era um espaço de rés-do-chão, gelado no inverno e com decoração e mobiliário tão minimal que se tornava visível que o seu investimento naquele lugar não ia para além da criação de um espaço para repousar e trabalhar nas suas canções.

Data desta altura o início de um mergulho num isolamento que se acentuaria nos anos seguintes. De vida social intensa nos dia que viveu na universidade, Nick Drake passou a circular entre um núcleo mais restrito de lugares e conhecimentos. Tímido e calado já era, mas quem recorda a criação daquele que foi o seu segundo álbum lembra um entusiasmo e uma crença (partilhada por Boyd) de que aquele disco teria mais sorte do que o primeiro, cujas vendas na época não terão ultrapassado os três mil exemplares.

É também por esta altura que o músico vive o período mais “intenso” de atividade no palco. Intenso é um termo aqui usado com uma carga relativa, dada a escassa lista de atuações (mas essencialmente concentradas neste tempo) que de facto viveu, todas elas breves e discretas, muitas vezes sem palavras nem olhares dirigidos ao público. Até ao dia em que ir ao palco deixou de ser uma opção.

Havia os discos. E o segundo começou a ganhar forma numa série de ensaios, na companhia de alguns músicos dos Fairport Convention, num pub que a banda então tinha. O disco ganhou forma em sessões que se espalharam por um período de cerca de oito meses, uma vez mais nos estúdios Sound Techniques, e sob o olhar atento de Joe Boyd. Kirby voltou a assumir os arranjos, mas desta vez com o desafio de juntar metais às cordas. A carteira de nomes envolvidos na gravação convocou ainda dois músicos da banda que então acompanhava os Beach Boys na estrada e ainda John Cale, que colaborou em dois temas e, na ocasião em que partilharam o estúdio, mostrou a Nick Drake uma Martin D-12 (de 12 cordas) que o maravilhou, retratando esse momento o brilho que ainda iluminava todo este espaço de trabalho.

Mais urbano do que Five Leaves Left nas temáticas, o álbum a que Nick Drake chamaria Bryter Layter é cénica e concetualmente o disco mais elaborado da sua obra. Se bem que não se possa encontrar aqui um concept album, a verdade é que desde cedo Nick Drake tinha a intenção de criar não apenas uma abertura, mas também pequenas peças de ligação entre canções nas quais destacasse heranças mais clássicas. O alinhamento acabaria por incluir de facto uma Introduction, que representa o primeiro dos três curtos instrumentais que entrecruzam momentos de um alinhamento no qual encontramos temas como Hazey Jane (1 e 2), Fly, Sunday ou o superior One of These Things First, que na verdade não era senão mais uma canção sobre o receio do sucesso… Apesar de alguma mais evidente luminosidade, é contudo a melancolia que impera, não apenas a ditada pela composição e rumos dos arranjos, mas a voz do próprio Nick Drake, veículo primordial para, em diálogo com a guitarra, nos transportar à essência das suas canções.

Lançado em novembro de 1970 pela Island Records, Bryter Layter teve maior visibilidade na imprensa do que o álbum de estreia, conhecendo até rasgados elogios em textos publicados em jornais como o NME ou Sounds. A recusa em fazer digressões e a pouca presença da música na rádio – John Peel continuava a ser dos poucos a aderir à sua música – justificarão em parte os valores discretos das vendas. Que, de certa maneira, terão intensificado a sensação de fracasso que em breve minaria a mente do músico. O tempo fez contudo deste disco um clássico. E são já vários os exemplos de listas de “melhores álbuns” que não o dispensam.

1 Comment on 1970. Sinais de esperança

  1. Excelente texto. So uma pequena adenda sobre o titulo do disco, que parece ser uma troça aos boletins meteorologicos da BBC da altura, os quais se referiam frequentemente ao tempo como ‘cloudy now, but brighter later’, a inclusao dos ‘Y’ sendo uma opcao meramente de estetica visual.

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