Este Morrissey não é de ninguém
Texto: GONÇALO COTA
“Ever get the feeling you’ve been cheated?”. Estamos no ano de 1976 e as palavras de Johnny Rotten, vocalista dos Sex Pistols, ressoam pela Lesser Free Trade Hall, em Manchester, certamente sem a perceção de que o concerto que terminara momentos antes iria ajudar a escrever o futuro da cena musical da cidade e, como consequência, toda a história da música daí em diante. Da parca assistência fizeram parte nomes como os de Ian Curtis, Bernard Sumner, Peter Hook – que fazem nascer muito pouco tempo depois Warsaw, que mudariam adiante o nome para Joy Division – ou um jovem de 17 anos, de seu nome Steven Patrick Morrissey, que podemos ver, numa das cenas iniciais do filme, a escrevinhar de forma fervorosa sobre este concerto dos Sex Pistols. É a mítica carta publicada no New Musical Express (NME), que fala dos Sex Pistols como “discordant music and barely audible audacious lyrics”, terminando o texto a afirmar: “I’d love to see the Pistols make it. Maybe then they will be able to afford some clothes which don’t look as thought they’ve been slept in.” À lá Morrissey, convenhamos.
O maior problema do filme é na verdade, esse: a dificuldade em construir um jovem Morissey, aqui interpretado por Jack Lowden, que congregue e vista bem a personalidade muitas vezes irascível e tempestuosa. Chega mesmo a invertê-la para um retrato pobre e pouco genuíno de um jovem que se revolta pouco com a opressão estabelecida pela ordem social, pelo regime capitalista e monárquico – Morrissey revisitou musicalmente, numa alusão aos filmes britânicos dos anos 50 e 60, inspirados no realismo social kitchen sink drama -, ganhando apenas algum empoderamento devido a uma sucessão de discursos paternalistas e sentimentalistas da moldura relacional feminina que o envolve.
Os registos diarísticos, nos quais se inscrevem os sonhos pop e a profunda compreensão das contradições entre a sua posição social e o próprio génio musical ou a agravante da depressão pós-término dos The Nosebleeds permitem dar uma maior amplitude à narrativa que, contudo, facilmente desagua num clímax atafulhado e desinteressante, com referências demasiado subtis à formação dos Smiths, como o concerto de Patti Smith no qual Morrissey conhece Johnny Marr ou a Iron Bridge, paisagem imagética de Still Ill, onde se pode ouvir “England is mine, it owes me a living”, servindo assim mote para o título do filme.
Apesar da inspiração poética de Oscar Wilde, e das referências interessantes que são feitas, ou a seleção cuidada da banda sonora, onde se incluem os The New York Dolls (o grande fascínio glam rock de Morrissey, de que foi presidente e fundador do clube de fãs), Marianne Faithfull ou Roxy Music, que quase colmatam a ausência de cantores-chave como David Bowie ou Sandie Shaw, que em 1984 colaboraria com The Smiths, numa versão de Hand in Glove (com I Don’t Owe You Anything no lado B), nada parece suficiente para aliviar a sensação constante de estarmos a assistir a um filme domingueiro e banal.
“England is Mine”, de Mark Gill, com Jack Lowden, Jessica Brown Findlay, Emma Roberts e Laurie Kynaston.
Olha… Tive o mesmo sentimento ao ver esse filme…faltou muuuuito pra chegar no Morrissey que conhecemos.
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