A Lua pode ser uma coisa aborrecida
Texto: NUNO GALOPIM
É raro ouvirmos dizer que o filme ficou melhor do que o livro no qual se baseou. É raro sim. Mas aconteceu, por exemplo, com O Marciano, de Ridley Scott, que tornou ágil, mais ritmada e até mais bem humorada, uma narrativa que, entretanto, se transformou num best seller. Assinado por Andy Weir, O Marciano apresentava a história de sobrevivência de um astronauta deixado em Marte (quando, sob forte tempestade, toda a restante tripulação partiu, julgando-o morto). Ooops… Pouco dado a desistir, o solitário marciano embarca numa missão de sobrevivência, apresentando o livro detalhado relato dos problemas que enfrentou, as possíveis resoluções, apoiadas pelo que a ciência, a engenharia e algum “mcgeyverismo” poderiam pôr em prática e, depois, minuciosa descrição da execução do plano. Assim, sempre assim, até ao problema seguinte. Ridley Scott e equipa olharam para o todo e encontraram um modo maios dinâmico (e, sublinhe-se, mais divertido) de apresentar uma história mais forte na ideia do que na escrita de Andy Weir. Mesmo assim, e pelo minimalismo da coisa e pelo tom de luta pela sobrevivência, sempre no fio da navalha, que domina a evolução da narrativa, o livro conquistou muitos adeptos.
Agora chega Artemis, o sucessor de O Marciano. Mas podíamos nem olhar para a capa e adivinhar quem escreveu. O cenário é diferente, já que agora estamos na Lua. A personagem principal é uma mulher. Mas o tom exaustivo com que é apresentada cada situação enfrentada, a permanente procura de explicações na ciência e engenharia para justificar o que está a suceder e, uma vez mais, o excesso de pormenores com que são observadas as tentativas de solução dos vários contratempos deixam clara uma identidade autoral que, mais do que criar personagens e tramas, gosta de explicar o porquê do modo como as coisas podem funcionar.
Tal como em O Marciano, o ponto de partida é potencialmente cativante. Neste caso a descrição de uma Lua no futuro, com uma base/cidade que vive em grande parte do turismo que ali chega para visitar o local de alunagem da missão Apollo 11. Mas depois começa a entrar areia (mais do que poeira lunar, é mesmo areia) na engrenagem. A identidade árabe da protagonista Jasmine Bashara (mais conhecida por todos como Jazz) ou uma inesperada geolpolítica terrestre que faz com que a base lunar seja gerida por quenianos são elementos potencialmente interessantes a explorar mas aos quais a escrita não dá nem justificação nem maior dimensão (faltam a ciência e a engenharia aqui, ah pois é). O elo mais fraco é, contudo, uma trama que quer juntar elementos de submundo do crime e vitaminas de thriller sem contudo ter mãos para o fazer. Lembro-me logo do incrível filme Outland – Atmosfera Zero, de Peter Hyams, e a ideia de projetar um thriller num outro mundo mostra ali como pode gerar uma narrativa verdadeiramente empolgante. Não é o caso de Artemis, que junta ainda ao cabaz de más ideias uma mão cheia de frases tolas (e que parecem mais do autor do que da personagem principal) que em nada ajudam a salvar a história. Fosse assim em Marte e o astronauta teria conhecido um final bem menos feliz…
Artemis tem já um futuro garantido no grande ecrã, estando a realização da adaptação apontada a Phil Lord e Christopher Miller, a dupla que começou por pegar em Solo: A Star Wars Story mas que acabou afastada do projeto. Contudo, e ao contrário do que se passou com Ridley Scott, desta vez de bom só têm em bom o contexto. Vai ser preciso encontrar mais do que ritmo por aqui…
“Artemis”, de Andy Weir, está disponível entre nós numa volume com 317 páginas editado pela Top Seller
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