Não é por acaso que toda a gente está a falar sobre “Chernobyl”…
Texto: NUNO GALOPIM
Estava um elefante na sala… Mas mesmo que muitos dessem por ele, ninguém o dizia. E quem o tentasse fazer sabia que a coisa podia não correr bem… Na verdade houve vários elefantes em várias salas. E desde os efeitos físicos notados poucos dias depois do acidente, às memórias deixadas por Valery Legasov (que coordenou a comissão de inquérito e se suicidou em 1988, dois dias antes de serem entregues os resultados do levantamento efetuado), não faltam à história do acidente na central nuclear de Chernobyl elementos reais para hoje nos permitir mergulhar nas entranhas de um monstro. Um monstro político, incapaz de lidar com os factos, acenando que sim e mais sim, e chutando para cima se uma decisão mais invulgar é necessária. E quando o medo do sistema é maior do que o medo real dos problemas, então ninguém quis ver o elefante… Em Chernobyl foi assim.
Minissérie de cinco episódios produzida pela HBO (e estrategicamente apresentada como uma das possibilidades de oferta de ficção televisiva depois de arrumadas, de vez, as espadas, os castelos e os dragões de “A Guerra dos Tronos”, “Chernobyl” é um caso que vai marcar 2019. Tudo começa num argumento notavelmente bem estruturado, capaz de definir por um lado um arco maior da cronologia dos eventos, como depois, e ao explorar as personagens, entre elas encontrar ocasiões e motivos para nos fazer mergulhar no monstro… e ver os elefantes. A opção pela reunião de um elenco notável – onde se destacam nomes como os de Jared Harris, Stellan Skarsgard ou Emily Watson – valorizou claramente a vontade em explorar as personagens como mais do que apenas peões num eventual docudrama pensado para recriar situações reais. Apesar dos alicerces nos factos, é na construção (que é trabalho de ficção) do relacionamento entre personagens que “Chernobyl” junta a carne aos ossos que antes estruturaram a narrativa. Emily Watson, por exemplo, veste a pele de uma criação de ficção que em si concentra toda uma comunidade científica soviética que, vendo os elefantes nas várias salas, pelo menos procurou apurar a verdade (mesmo tendo encontrado depois os habituais silenciadores pela frente). O elenco junta depois ao corpo central de personagens uma multidão de figuras satélite, algumas com expressão em apenas um episódio, mas fazendo-nos notar cada uma das frentes da ação e das consequências. A música, assinada pela islandesa Hildur Guðnadóttir (que visitou centrais nucleares em busca de inspiração) é outro exemplo de boa decisão.
É contudo na realização que está a força que depois tudo agrega e faz a diferença. Quem a assina é Johan Renck, por muitos mais conhecido pelo trabalho nos telediscos mas que é também autor de uma das melhores minisséries policiais dos últimos anos: “The Last Panthers” (precisamente aquela para a qual Bowie criou a canção “Blackstar”, que era usada no genérico). O mesmo tipo de direção de fotografia, com mais gosto pelos olhares turvos que pela luz clássica de televisão, o saber na adição de pequenos nadas (como o cão que corre atrás de um autocarro na sequência que mostra a evacuação da cidade de Pripyat ou a fuligem que circula entre os moradores da cidade na noite do acidente) e uma solidez firme na condução bem clara da evolução da narrativa, fazem de “Cherbobyl” algo que vai bem para lá da recriação histórica e da gestão de emoções habituais nos disaster movies. Tal como “The Last Panthers” (com ação vivida nos Balcãs depois da fragmentação da Jugoslávia), este é, sobretudo, um poderoso thriller político.
“Chernobyl” é uma minissérie de cinco episódios que está disponível na HBO Portugal.
Para mais umas incursões sobre as memórias de Cherbobyl nada como ler “Vozes de Chernobyl – História de um Desastre Nuclear”, de Svetlana Alexievich (ed. Elsinore).
O universo da banda desenhada tem também algumas propostas interessantes a ler. Entre nós a Levoir lançou já “Chernobyl: A Zona”, de Francisco Sanchez e Natacha Bustos. Ainda sem tradução, mas igualmente recomendável, é “Un Printemps à Tchernobyl” (Futuropolis), de Emmanuel Lepage. Mais informação aqui.
Será uma série isenta,objectiva,neutral. A HBO tem provas dadas e reconhecidas por todos.
Queiram os deuses que após este magnífico parto decida voltar-se para o Mediterrâneo, onde uma tragédia exponencialmente maior que a de Chernobyl,com um número de vítimas mortais 10.000 vezes maior,seja escalpelizada desde as raizes,indicando responsáveis, atores e demais assassinos,que conhecemos da política, da televisão, dos jjornais.
Sejamos espectadores atentos desta e de futuras séries que pessoas integras como a HBO produzirão
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Meu caro José Milhazes: se os 8comentários não te agradam mostra as tuas razões. É assim,em democracia,acredita que é. ..
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